quarta-feira, 14 de maio de 2008

ALMA ESPONSAL



1 INTRODUÇÃO


Deus nos ama e nos quer junto a Si. Ele sonha conosco e, juntamente conosco, quer se entreter e alegrar-se, demonstrando o amor, a amizade e nos fazendo desfrutar da sua companhia, tal qual um amigo que, por amar, deixa-se ficar ao lado do outro, somente para alegrar-lhe e compartilhar do tempo, do momento e da vida.

Todo o ser de Deus está voltado à esta experiência de comunhão com o homem e com a mulher. A Obra da Criação tem, por vocação, ser expressão dessa alegria do Senhor com a pessoa humana criada, e se torna, para o homem, como que o presente do Criador, fruto do seu amor eterno e esponsal.

O sinal visível e supremo desse colóquio amoroso de Deus com a humanidade se dá em Jesus Cristo. Ele é a resposta para o drama do pecado e a certeza da vitória. No Filho de Deus Encarnado, o Pai recria toda a Sua Obra e realiza a redenção do gênero humano, adotando-nos como filhos seus e nos tornando participantes da Sua natureza divina, experimentando, Ele mesmo, em Si, a nossa humanidade.

A partir desse momento, a vida do homem na terra será marcada por essa experiência de um Deus que amou tanto o mundo, que preferiu pagar a nossa pena, a ter que nos perder eternamente (cf. João 3,16).

Deus ama o homem e se entretém com este, como dois amigos que se amam e, se realizam, justamente no ato de amar gratuitamente. Este é um mistério muito grande, saber que Ele – sendo o Senhor – não leva em consideração as nossas faltas, mas, com infinito e eterno amor, nos acolhe em Seu coração, justamente para nos purificar e transformar nesta atitude de acolhimento, perdão e misericórdia.

Deus e o homem vivem uma experiência profunda de amizade e troca. Nesse intercâmbio de vidas que se doam, se querem e se acolhem, nasce o homem novo e a mulher nova, cidadãos do Céu, dispostos de dar tudo para fazer a vontade do Senhor, a saber, implantar o Reino de Deus neste mundo.

O homem só é feliz quando vive esta experiência de amor profundo, intenso e real. Somente assim, estará apto a responder com generosidade aos apelos e inspirações de quem lhe ama e lhe chama.


2 EU SOU DO MEU AMADO E O MEU AMADO É MEU


Cântico dos Cânticos ou Cantares de Salomão é, sem dúvida, um dos livros mais belos da Bíblia e da humanidade, por outro lado, é, também, um dos livros-alvo de interpretações diversas.

Dentre todas as visões relacionadas a ele, uma que nos interessa muito neste artigo é aquela que apresenta a moça do Cântico como a Igreja, o Povo de Deus, a alma humana, e o homem como sendo o próprio Deus. Teríamos, então, um hino ao amor de Deus por Seu povo, Sua Igreja, por cada um de nós, individualmente.

É sob esta ótica, que queremos refletir, de ora em diante, nesta reflexão.

No capítulo sexto do Cântico dos Cânticos, versos segundo e terceiros, lemos:


Meu amado desceu ao seu jardim,
ao canteiro dos aromas,
para apascentar nos jardins
e colher os lírios.
Eu sou para o meu amado
e meu amado é para mim,
ele que apascenta entre os lírios.


“Eu sou do meu amado e o meu amado é meu!”. Somente quando se proclama com o coração esta verdade bíblica, é que se tem a certeza de estar seguindo na direção certa rumo ao Senhor Jesus.

Homens e mulheres, jovens, crianças e anciãos precisam aceitar e assumir a verdade de que são chamados, desde toda a eternidade, para ser alma-esposa do Cordeiro de Deus. Esta é a nossa mais alta vocação e pode ser traduzida como habitar eternamente no Céu, pois, habitar no Céu não é outra coisa, senão, deixar-se amar de tal modo por Deus, que não se queira outra coisa, a não ser Ele em nossa vida.

Deus é meu e Eu sou de Deus! Aqui está o cerne de toda a doutrina de São João da Cruz. Deus e eu mantemos um intercâmbio profundo de amor, temos em comum, uma linda história sendo construída. A vida é o desenrolar desse enlace amoroso que irá culminar no Paraíso Celeste, quando cruzarmos os rios, em Sua direção. João da Cruz vai dizer que, a morte não é outra coisa senão a explosão de amor da alma por Deus. O amor é tão forte que a pessoa não agüenta e rompe a tela dos sentidos e parte ao encontro do objeto do Seu amor.

Deus é meu e eu sou de Deus!

Como se pode entender esta afirmação? Quando se usa o pronome possessivo “meu” não se pretende induzir à idéia de posse de Deus. Ele não está preso a nada e a ninguém. “Deus é meu” deve ser entendido de outra forma.

Ao ouvirmos o marido se referindo à sua esposa como “minha mulher”, julgamos estar correta esta sentença, embora, saibamos bem que a esposa não é “propriedade” ou “objeto de uso particular” do marido. No mesmo sentido, compreendemos o sentido das expressões “meu filho, meu pai, meu amigo”.

É próprio do amor, o doar-se. O amor que é amor se dá por completo, não reserva nada para si. Amar é gastar-se, para doar-se por inteiro.

O marido e a esposa se entregam mutuamente e geram filhos através dessa entrega. A mãe se dá tanto ao filho, que é capaz de perder um dos seus membros, só para salvar-lhe a vida. O amigo gasta tudo o que tem, no intuito de tornar o outro feliz.

Em todo relacionamento de amor há formas diversas de doação, mas, o princípio é o mesmo: entregar-se.

O verdadeiro amor implica entregar-se por completo.

A partir desses exemplos, podemos voltar à análise da verdade anunciada: “Deus é meu!”.
Deus se entrega a mim inteiramente. Ele se dá todo a mim, é por isso que, quando comungo, recebo Jesus por inteiro, independente do tamanho da partícula consagrada.

Para cada pessoa que O ama, o Senhor se dá por completo. Assim, a alma pode dizer com toda a certeza: Deus é meu! Ela faz a experiência de ter Deus dentro de Si, de sentir-se envolvida por Ele de tal forma, que pode gritar: Deus é meu!

Do mesmo jeito que o marido pode gritar “minha mulher” e o namorado “minha namorada” a experiência do amor de Deus é tão intensa, que nos sentimos únicos diante Dele.

Deus se revela tão próximo que O sentimos TODO em nós.

Esta experiência desemboca na nossa própria entrega. Nos devolvemos àquele que nos amou primeiro (cf. 1Jo 4,19) e dizemos: “Eu Sou do Meu Amado”.

Deus e eu. Deus Meu e Meu Deus. Ele se dá todo a mim e permanece sendo o que É. Eu me dou todo a Ele, sem alterar-me e Ele, aos poucos, vai me transformando a tal ponto, que as pessoas começam a perceber Deus em mim e Eu em Deus.

Quanto mais me entrego ao Senhor, mais vou me purificando e me tornando parecido com Ele.


3 DEUS ME DESEJA


Ainda lendo o Cântico dos Cânticos, encontramos o seguinte, no capítulo sétimo, verso onze: “Eu sou para meu amado e seu desejo é para mim”.

Deus me deseja. Ele quer estar comigo, privar da minha companhia, ser o meu amor, meu amigo, meu abrigo e arrimo. É por isso que devo me disciplinar na oração, na busca do Sacramentos e na vivência do amor. Ele quer estar sempre comigo. Ele me deseja.

São Paulo compara o amor do marido para com sua esposa ao amor de Cristo para com a Igreja (cf. Ef 5,25). Muito mais intimamente, do que o marido com a mulher no ato sexual, assim é a união da alma com o Senhor. Muito mais gratificante do que o prazer sexual é o sabor do amor de Deus, é por isso que o salmista diz: "Porque vós sois o meu apoio, exulto de alegria, à sombra de vossas asas". (Sl 62,8)

Deus se une a nós de forma tão intensa e íntima que vai gerando em nós a vida na graça, a vida no espírito, o Céu.

Eu não sou apenas mais um na lista do Senhor. Ele não me vê como um número na multidão. Ele me conhece. Sabe tudo de mim e me deseja, me espera, quer estar comigo, me chama incessantemente e, com os gestos nascidos da gratuidade do seu amor, vai me seduzindo e me atraindo a Si.

Deus tem mais sede de mim, do que eu tenho Dele. Ele me quer. Mas esse querer não é egoísta. Deus não quer me prender consigo, pelo contrário, seu desejo é me fazer livre de tudo o que me prende, oprime, me impede de ser feliz e realizado.

Ele quer ter-me consigo para me fazer feliz.

Do mesmo modo que o homem se sente atraído à sua mulher. Assim é Deus para comigo. Ele se sente inclinado a me amar e, quanto mais vou experimentando esse Seu amor, mais vou me sentindo atraído por Ele, a ponto de ir deixando tudo o que é velho a fim de, ir assumindo a novidade da Sua vida em mim.


4 CONCLUSÃO


Deus é meu e eu sou Dele! Mantemos um intercâmbio íntimo de amor. Nos desejamos mutuamente. Ele a mim, mais do que eu a Ele.

Quanto mais eu me deixo atrair por Deus, mais e mais minha alma vai se acostumando com o gosto do Céu e vai se deixando conduzir para os átrios do Senhor. Essa é uma graça da transformação que o amor de Deus vai operando em mim quando me deixo envolver por seus abraços de amor que me curam e me libertam de todas as cadeias.

Longe de me tornar prisioneiro, os gestos amorosos do Senhor, dignificam a minha alma e me tornam livre diante de todas as coisas criadas e assim, vou me tornando feliz, máximo objetivo de Deus ao vir a mim, para me amar.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

A CONVERSÃO DO CARCEREIRO


“Naqueles dias, 22a multidão dos filipenses levantou-se contra Paulo e Silas; e os magistrados, depois de lhes rasgarem as vestes, mandaram açoitar os dois com varas. 23Depois de açoitá-los bastante, lançaram-nos na prisão, ordenando ao carcereiro que os guardasse com toda a segurança. 24Ao receber essa ordem, o carcereiro levou-os para o fundo da prisão e prendeu os pés deles no tronco. 25À meia-noite, Paulo e Silas estavam rezando e cantando hinos a Deus. Os outros prisioneiros os escutavam. 26De repente, houve um terremoto tão violento que sacudiu os alicerces da prisão. Todas as portas se abriram e as correntes de todos se soltaram. 27O carcereiro acordou e viu as portas da prisão abertas. Pensando que os prisioneiros tivessem fugido, puxou da espada e estava para suicidar-se. 28Mas Paulo gritou com voz forte: "Não te faças mal algum! Nós estamos todos aqui".29Então o carcereiro pediu tochas, correu para dentro e, tremendo, caiu aos pés de Paulo e Silas. 30Conduzindo-os para fora, perguntou: "Senhores, que devo fazer para ser salvo?" 31Paulo e Silas responderam: "Crê no Senhor Jesus, e sereis salvos tu e todos os de tua família".32Então Paulo e Silas anunciaram a Palavra do Senhor ao carcereiro e a todos os de sua família. 33Na mesma noite, o carcereiro levou-os consigo para lavar as feridas causadas pelos açoites. E, imediatamente, foi batizado junto com todos os seus familiares. 34Depois fez Paulo e Silas subirem até sua casa, preparou-lhes um jantar e alegrou-se com todos os seus familiares por ter acreditado em Deus.”(Atos 16)

PAULO E SILAS

Paulo, todos conhecemos. De grande perseguidor dos cristãos, se tornará um dos maiores evangelizadores de todos os tempos. Autor da maior parte dos escritos do Novo Testamento, testemunha incansável de Jesus Cristo.
Silas é seu companheiro de missão. Os dois seguem, por ordenança divina, pregando o Evangelho da Salvação a todos os homens e mulheres e anunciando que Cristo Ressuscitou. Isto provocará a ira dos judeus e dos gregos. Para os judeus, era inadmissível aceitar que Jesus de Nazaré fosse o Messias, o Enviado. A hesitação dos gregos é no tocante à Ressurreição.
Eles até aceitariam de bom grado que Cristo fosse um “deus” mas, acreditar que Ele havia Ressuscitado depois de morrer em uma Cruz era um atentado à toda tradição filosófica grega.
Como aceitar que um “deus” morra numa Cruz? Como aceitar que um morto possa voltar a viver? Paulo irá dizer da sua Missão: “Mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos...”(1Cor 1,23)
Os romanos, conhecidos pela sua tolerância religiosa, vê o cristianismo com indiferença, haja vista o modo de viver cristão que contradiz objetivamente, sua própria forma de viver.

A SITUAÇÃO

Paulo e Silas estão em Filipos, uma importante cidade da Macedônia e lá, começam a pregar o Evangelho. Durante sua estadia nesta cidade, chega uma jovem que é possuída por um espírito de adivinhação. Esta jovem era usada pelos seus amos como fonte de lucro. As pessoas iam até ela, e após receberem suas previsões, pagavam-lhe pelos serviços prestados.
Ela começa a acompanhar Paulo e Silas gritando: “Estes homens são servos do Deus Altíssimo, que vos anunciam o caminho da salvação.”(At. 16,17). Esta era uma verdade, porém, não provinha de Deus e sim, do espírito que estava na jovem, isto é, do diabo. Toda proclamação que não provém do Senhor, causa mal e, por isso, Paulo ordena ao espírito que saia da jovem: “Repetiu isto por muitos dias. Por fim, Paulo enfadou-se. Voltou-se para ela e disse ao espírito: Ordeno-te em nome de Jesus Cristo que saias dela. E na mesma hora ele saiu.”(At 16,18) Como nada pode resistir a uma ordem dada em Nome de Jesus, o espírito de adivinhação, ao ser interpelado Em O Nome de Jesus, imediatamente sai da jovem. Isso seria motivo de júbilo, se não fosse o interesse comercial por trás da situação da moça.
Aqui acontece o mesmo que a Jesus, quando expulsou os demônios e os mandou para os porcos, sendo, em seguida, expulso da região por causa dos criadores de porcos que se sentiram prejudicados com a ação do Mestre.
Os proprietários da escrava, vendo que sua fonte de lucro se extinguira, agarraram Paulo e Silas e os levaram até às autoridades e disseram: “... pregam um modo de vida que nós, romanos, não podemos admitir nem seguir.” (At. 16,21)
A vida humana estava, nesta cultura, abaixo do poder econômico. A pessoa valia pelo que produzia. Em Nome de Jesus, a libertação foi proclamada e realizada, mas os donos do poder, se sentiram incomodados e mandaram açoitar e prender os dois missionários.

O GUARDA E SEUS MEDOS

Os presos são vigiados constantemente por um guarda. Este tem a missão de impedir que a população assassine os homens ou que estes fujam durante a noite.
Mas aconteceu o inesperado.
“25À meia-noite, Paulo e Silas estavam rezando e cantando hinos a Deus. Os outros prisioneiros os escutavam. 26De repente, houve um terremoto tão violento que sacudiu os alicerces da prisão. Todas as portas se abriram e as correntes de todos se soltaram. 27O carcereiro acordou e viu as portas da prisão abertas. Pensando que os prisioneiros tivessem fugido, puxou da espada e estava para suicidar-se.”(At 16)
Por que o guarda pensou em suicidar-se? Por medo da punição romana. O Direito Romano dizia que, se um guarda deixar o preso fugir, irá assumir a punição do preso que fugiu.
Quando o homem entra na cela e vê as correntes, que amarravam os presos, soltas pelo chão, pensa imediatamente que estes haviam escapado durante o terremoto. Não lhe resta, humanamente falando, outra alternativa. Sua vida chegara a um ponto tal, que não via saída para sua situação.
A vida tem dessas coisas. De repente, tudo desmorona a nossos pés e não vemos mais a luz, a saída para nossas situações. Nestes momentos devemos recorrer ao Poder do Senhor que sempre nos oferece uma saída. A saída é sempre Jesus.
Quando está tomando a espada para suicidar-se, Paulo grita: “28Mas Paulo gritou com voz forte: "Não te faças mal algum! Nós estamos todos aqui".
Se analisarmos a situação, chegaremos à constatação de que, toda a cena descrita em Atos 16,22-34 tem o único objetivo de salvar a vida do carcereiro.
Paulo era cidadão romano, e noutro momento, havia invocado o direito da cidadania romana para livrar-se da prisão. Aqui, isto não acontece. Paulo, conhecendo o coração de Deus, vai até o fim. Deixa-se levar até à prisão, e, ao invés de reclamar ou murmurar, está invocando o poder e a força de Deus, através da oração do louvor. E assim, o caminho do coração do homem fica aberto para Deus.
“29Então o carcereiro pediu tochas, correu para dentro e, tremendo, caiu aos pés de Paulo e Silas. 30Conduzindo-os para fora, perguntou: "Senhores, que devo fazer para ser salvo?" 31Paulo e Silas responderam: "Crê no Senhor Jesus, e sereis salvos tu e todos os de tua família".”
O homem estava com medo da humilhação e da morte. Se os prisioneiros tivessem fugido mesmo, o que seria da sua vida?
Mas os prisioneiros estão no mesmo lugar de antes e o poder de Deus é evidenciado. O Senhor havia quebrado os grilhões com o único objetivo de liberta-lo (ao carcereiro) do seu pecado e da condenação.
A situação provoca o desejo da Salvação e, reconhecendo a força do alto, Ele cai aos pés de Paulo e Silas e lhes pede instruções para ser salvo.
Seu medo foi transformado em Salvação.
Interessante notar que, ao aceitar o Senhor Jesus, Ele não tem mais medo das autoridades a tal ponto de conduzir Paulo para fora da prisão e depois, até à sua própria casa: “ 34Depois fez Paulo e Silas subirem até sua casa, preparou-lhes um jantar e alegrou-se com todos os seus familiares por ter acreditado em Deus.”(Atos 16)
Nosso Deus é muito bom e, por causa de um só pecador, Ele é capaz das maiores proezas, somente para salvar o homem. E quando experimentamos esse amor, não tememos as feras, as prisões e punições, mas, nos abandonamos à ação do Senhor.
O carcereiro encontrou o poder de Deus e se converteu. A Salvação vem a nós sempre, basta reconhecermos o Senhor e nos deixarmos envolver por Seu amor e Seu poder.