domingo, 13 de outubro de 2013

MARIA NAS BODAS DE CANÁ

Maria conhece o Coração do Filho e sabe que só o Filho pode resolver o problema daquela família, daquela festa. A Missão de Jesus está profundamente ligada à doação de Maria e à Sua presença. Não há como ter a Festa em Jesus prescindindo da presença de Maria.Maria, de fato, é nossa intercessora. Isso não é romantismo. É verdade teológica, verdade efetiva, mas, percebida apenas por Aquele que crê. A presença de Jesus, a presença salvífica do Senhor, cumpre a sua finalidade, a partir de uma ação que aponta para Ele e que diz “fazei tudo o que Ele vos disser!”
É a ordem de Jesus, obedecida por quem é servo do Senhor, que faz o milagre acontecer. Milagre é a ação de Jesus. A ação miraculosa do Senhor é o melhor que existe para nós. Somente quem obedece a Jesus saberá de onde provém o que é melhor na festa da vida. Somente quem obedece a Jesus, sabe onde se encontra a fonte da festa e da alegria, o vinho novo que o próprio Jesus nos traz.
A fonte de tudo é a obediência a Cristo.
O que vem de Cristo vem por último, mas, é o melhor que há para nós. O que vem de Cristo vem na hora certa, vem a partir da intercessão e da obediência à Sua voz. Quando colocamos para Jesus, pelas mãos de Maria, as nossas necessidades, a graça acontece. Jesus manifesta a Sua glória pela Sua ação em nossas vidas, advinda como consequência à obediência à Sua voz.

Maria como que antecipa o Milagre de Jesus - ao interceder - porque confia em Jesus. Confia em Jesus porque sabe Sua origem e identidade. Ele veio de Deus, desceu do Céu, como Filho de Deus, para salvar o homem, primeiro em suas necessidades atuais e práticas, salvá-lo espiritualmente e garantir a Salvação eterna, escatológica, livrando-o da condenação eterna e abrindo-lhe as Portas do Paraíso que é o Seu Próprio Coração.

domingo, 23 de junho de 2013

E VÓS, QUEM DIZEIS QUE EU SOU?

EXCERTOS DE HOMILIA
12º DOMINGO COMUM ANO C
E VÓS, QUEM DIZEM QUE EU SOU?

Se Deus nos criou, pertencemos a Ele logo, não nos pertencemos. Jesus diz que só tem vida - no sentido de eterna - quem deixa de viver para si mesmo e passa a viver em Deus.
[...]
Jesus nos faz uma pergunta clara e objetiva: “quem sou eu para vocês?”
Quem é Jesus para mim? É o Jesus das Ciências? [...] É um Jesus, como apresentado pelos meios de comunicação? Jesus não quer se preocupar com as opiniões externas, mas, se importa em saber como todo aquele que crê, o vê, o enxerga.
Jesus é simplesmente o Filho de Deus Vivente, o Verbo que se Encarna e habita no meio dos homens. Por isso, ao se aproximar de Jesus, não há outra atitude do que entender que Jesus é um Deus pessoal que pode vir ao nosso encontro.
É preciso que eu me encontre com Jesus como a uma pessoa. É esta pessoa, Jesus, que é Deus, que é capaz de levar qualquer um dos que se encontram com Ele, a viver a experiência de Deus e a repetir como Pedro “Tu és o Cristo de Deus, aquele que salva”.
O Cordeiro Imolado nos salva pelo seu Sacrifício. Só pela fé é possível entender isso.
Quando Pedro revela quem é Jesus, o próprio Jesus irá confirmar a Proclamação.
Porque foi Revelação do próprio Deus, a fé prevaleceu para que, pela fé, Pedro conhecesse a Jesus em profundidade.
 Por nossos meios e mecanismos humanos ninguém fará experiência pessoal do Filho de Deus. Só a fé abre as portas ao sobrenatural para estar com Deus.
Mas voltemos à Cruz. Na Missa, o Sacrifício da Cruz se torna visível.
É preciso lembrar que este Deus, revelado para nós, traz características que não podemos ignorar. Nosso Deus é um Deus que se deixa crucificar para mostrar seu triunfo na hora da Glória de Deus.
Antes da glória veio o padecimento. Por isso, Jesus ordena não contar a ninguém sobre a Sua identidade, pois, seria um absurdo para a mente humana, conceber o Filho de Deus pendente da Cruz. Seria impossível à mente humana conciliar isso.  Mas essa é a realidade que Deus expressa para mostrar o seu amor. Ele dá o Filho para nossa salvação.
[...]
Jesus, carregando nos ombros Sua própria Cruz, nos chama ao desafio de segui-lo. Só é discípulo quem segue Jesus. É um convite,  o que Deus nos faz, não é imposição. Esse convite nos traz algumas implicações.
Essa vida não nos pertence.
 “Renuncie a si mesmo”. Se trata de ser cristão carregando a Cruz de cada dia, porque o mundo, na sua magnitude, em sua força e capacidade de enganar, nos leva a pecar. O mal nos faz sofrer e o sofrimento é a cruz.
Jesus não nega a existência da Cruz para o discípulo. É preciso que ela exista e nunca se aliene da vida da pessoa. É pela Cruz que Deus quer nos purificar. As situações que nos fazem sofrer não são irreais como Deus também não é irreal. A grandeza de Deus consiste em  que, “aquele que teme e ama a Deus, é amparado pelo Senhor.” Por isso, Jesus diz com clareza e liberdade de coração para os que se sentem livres a abraçar o desafio de viver uma religião que nos desconcerte para que em Deus, possamos assumir o desafio de ser o que Ele quer, assumindo a cruz de cada dia.
Deus não nos abandona nunca. O cristão há de tomar a Cruz, mas também, há de seguir Jesus. Não basta assumir a Cruz é preciso também, segui-lo. É Ele quem nos ampara e nos sustenta em nossas cruzes.
Que possamos viver a nossa experiência do Crucificado para com Ele ter a vida, a única vida, que somente pode vir de Deus.

Pe. Gileumar

Matriz de Senhora Sant’Ana, Simão Dias/SE, 23 de junho de 2013

domingo, 6 de janeiro de 2013

A EXEMPLOS DOS MAGOS

EXTRATOS DA HOMILIA DA EPIFANIA

"[...] Nossa vida tem que ser vivida na perspectiva dos magos, nunca fincados em um só lugar mas, sempre a caminho do objetivo maior da vida: o encontro com Cristo Jesus, Nosso Salvador.
[...] Os magos oferecem ouro porque, ao encontrar o Menino, nenhuma riqueza tinha mais importância. [...] o incenso é expressão dos anseios, dos desejos. Ao encontrarem o Menino, os magos percebem que todos os desejos e anseios não fazem mais sentido pois, o Desejado das Nações está ali.
[...] Segundo uma tradição antiquíssima, a mirra teria sido a planta que ficara para os judeus, como lembrança do Paraíso de Deus. Ao oferecerem mirra, os magos reconhecem que ali, em Jesus, começa mais uma vez, a nossa entrada no Paraíso de Deus.
[...] Mais do que dar presentes, os magos se colocaram e se entregaram como presentes, em adoração ao Menino Deus.
[...] Para que nunca percamos o sentido maior da nossa vida: o encontro com Jesus Cristo e, neste encontro, nos coloquemos em atitude de adoração.

(Simão Dias - 06 de janeiro de 2013 -
Padre Rodrigo Sant'Ana)

sábado, 29 de dezembro de 2012

MEDITAÇÃO DE NATAL NO ANO DA FÉ


EDSON PEIXOTO ANDRADE[1]

É noite de Natal, certamente os nossos corações estão contentes por vários motivos: é final de ano, e muitos estão gozando as férias merecidas, posteriores a um ano exaustivo de trabalho e estudos; é um tempo em que nos visitamos, tempo  de casa cheia, de rever amigos e parentes; é tempo de troca de presentes e de afetos; tempo de viajar, conhecer lugares novos, pessoas diferentes, enfim, tempo de emoção. Enfim, Natal é tempo de tudo isso, é clima de final de ano. Porém, é preciso cuidar para não confundir o sentido do Natal com as festas de final de ano. Natal é muito mais, é a celebração da vitória que vence o mundo: a nossa fé, como nos diz São Paulo. Natal é tempo do cumprimento das Promessas do Pai, da manifestação do amor de Deus, em Seu Filho que se encarna para nos resgatar das trevas, é a Noite Feliz da nossa Salvação.
Ao meditar o Evangelho de Lucas, quando narra o nascimento de Jesus, encontramos alguns pontos que são muito significativos para nossa reflexão nesta noite.
PRIMEIRA LIÇÃO:  Por causa do Recenseamento, Maria e José vão a Belém.

"Naqueles tempos apareceu um decreto de César Augusto, ordenando o recenseamento de toda a terra". (Lc. 2,1)
A profecia era clara:
"Mas tu, Belém-Efrata, tão pequena entre os clãs de Judá, é de ti que sairá para mim aquele que é chamado a governar Israel. Suas origens remontam aos tempos antigos, aos dias do longínquo passado". (Mq. 5,1)
E agora, quando chegou a Plenitude dos Tempos, nos dias de Maria dar à luz ao Filho de Deus, aparece um decreto ordenando que cada família se dirija às cidades de origem de seus ancestrais a fim de, recensearem-se. Desse modo, nos diz o Evangelho, “Também José subiu da Galiléia, da cidade de Nazaré, à Judéia, à Cidade de Davi, chamada Belém, porque era da casa e família de Davi, para se alistar com a sua esposa Maria, que estava grávida.  Estando eles ali, completaram-se os dias dela.”(Lc, 2,4-6). Aqui, podemos constatar aquilo que Paulo diz: "Aliás, sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios". (Rm 8,28).
É preciso sublinhar isso: tudo concorre para que o Projeto e a Promessa de Deus aconteçam. Tudo acontece para que o plano do Senhor aconteça de acordo com as suas ordenanças e predisposições.
Já no Antigo Testamento, encontramos essa fé no Deus que cumpre suas Promessas. Josué, antes de morrer, reúne os anciãos e lembra que o Senhor foi fiel a cada uma de suas palavras, que cumpriu cada uma de suas promessas.
"Eis que me vou hoje pelo caminho de toda a terra. Reconhecei de todo o vosso coração e de toda a vossa alma, que de todas as boas palavras que pronunciou em vosso favor o Senhor, vosso Deus, nem uma só ficou sem efeito: todas se cumpriram, e não falhou uma sequer". (Js 23,14)
Todas as promessas do Senhor se cumprem. Essa é a verdade que precisamos manter diante de nossos olhos. É a primeira lição que aprendemos no Natal.
A Encarnação do Filho de Deus é o cumprimento das Promessas do Pai. Em Cristo, Deus cumpre a Sua Palavra, conforme nos Ensina o Catecismo da Igreja Católica. «Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher e sujeito à Lei, para resgatar os que estavam sujeitos à Lei e nos tornar seus filhos adotivos» (Gl 4, 4-5). Esta é a «Boa-Nova de Jesus Cristo, Filho de Deus»: Deus visitou o seu povo e cumpriu as promessas feitas a Abraão e à sua descendência fê-lo para além de toda a expectativa: enviou o seu «Filho muito-amado» . (C.I.C. 422)
Cristo, ao se Encarnar, atesta que Deus é fiel, que Sua Palavra é verdadeira, que o Senhor anuncia e realiza. Ao olhar para o Menino que nasce na gruta de Belém podemos nos lembrar de tudo o que o Senhor nos prometeu até aqui e assim, crer que Ele cumprirá tudo, que nada ficará sem acontecer do jeito que o Senhor mesmo ordenou.
Não precisamos de outros sinais para crer no Senhor. Nossa fé pode ser firme, ao ser fundamentada nessa verdade: O Senhor prometeu que iria enviar o Seu Filho, e o Senhor cumpriu a Sua promessa. Do mesmo modo, hoje também, o Senhor está trabalhando para cumprir todas as Suas promessas em nossas vidas.

SEGUNDA LIÇÃO: A humildade da manjedoura
O Evangelho de Lucas nos apresenta um outro dado importante: o Filho de Deus, ao se Encarnar, não encontra um lugar adequado para nascer, de modo que sua mãe precisa recliná-lo numa manjedoura. "E deu à luz seu filho primogênito, e, envolvendo-o em faixas, reclinou-o num presépio; porque não havia lugar para eles na hospedaria". (Lc 2,7)
O Presépio é um sinal proeminente da natureza de Deus: O Senhor sempre se apresenta em vestes de pobre, se faz amigo dos sofredores e rejeitados, para poder salvar a todos. Quando Jesus é reclinado no presépio, Ele quer nos mostrar que o Seu Reinado não se dará à moda dos ricos e poderosos deste mundo. Ele vem para servir e acolher a todos. Ele vem como humilde para poder resgatar aqueles que, em seu orgulho e vaidade, rejeitaram o projeto do Criador. Ele se faz pão. Nasce em Belém, a “Casa do Pão” e deita na manjedoura, lugar especial de alimentação dos animais. Ele é Jesus, o Rei dos Céus, o Filho de Deus, que não encontra lugar para nascer podendo assim, ser identificado com qualquer irmão e irmã sofredor, que não tem onde morar. Ele nasce despojado de tudo para poder nos ensinar o caminho do desprendimento que leva à salvação. Durante toda a Sua Vida pública, Jesus vive totalmente para servir a ponto de dizer "[...] As raposas têm covas e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça". (Lc 9,58)
Hoje, ao meditar sobre esta lição do Natal, precisamos nos dar conta de que, em Belém, no momento do Natal, o Redentor do Mundo não foi acolhido, dessa forma, Se quisermos ser cristãos, devemos aceitar as rejeições e dificuldades, assumir a nossa cruz, e seguir Jesus. O importante é que a Vontade do Pai aconteça. Esse desprendimento de tudo para poder servir ao Reino de Deus é uma exigência radical do Evangelho. Jesus diz: "Quem ama seu pai ou sua mãe mais que a mim, não é digno de mim. Quem ama seu filho mais que a mim, não é digno de mim". (Mt 10,37) e continua: "Quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim". (Mt 10,38)
Em tudo, Deus tem uma mensagem para mim e/ou para os outros. Ao nascer pobre porque não havia lugar para ele na hospedaria, o Menino Deus pôde deixar para o mundo inteiro, de todas as épocas, a grande lição do desprendimento. Ele nasce na Manjedoura e mostra a todos a humildade de Deus. Do mesmo modo, quando em nossas vidas acontecem situações imprevisíveis e difíceis, podemos aceitar com tranquilidade pois, o Senhor vai nos ensinar coisas novas e, ao mesmo tempo, vai ensinar algo de bom aos outros por meio das adversidades que passamos. Quem diria que aquele inconveniente para Maria e José redundaria em tão profundas lições para nós, dois mil anos depois! Quem diria que, do escândalo da Cruz, redundaria a Salvação para todos!

TERCEIRA LIÇÃO: Os pobres pastores contemplam o Redentor do Mundo

“Havia nos arredores uns pastores, que vigiavam e guardavam seu rebanho nos campos durante as vigílias da noite. Um anjo do Senhor apareceu-lhes e a glória do Senhor refulgiu ao redor deles, e tiveram grande temor. O anjo disse-lhes: Não temais, eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo: hoje vos nasceu na Cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura. E subitamente ao anjo se juntou uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus e dizia: Glória a Deus no mais alto dos céus e na terra paz aos homens, objetos da benevolência (divina). Depois que os anjos os deixaram e voltaram para o céu, falaram os pastores uns com os outros: Vamos até Belém e vejamos o que se realizou e o que o Senhor nos manifestou. Foram com grande pressa e acharam Maria e José, e o menino deitado na manjedoura. Vendo-o, contaram o que se lhes havia dito a respeito deste menino. Todos os que os ouviam admiravam-se das coisas que lhes contavam os pastores.” (Lc. 2,8-18)
Os pastores eram, na época, ao lado dos publicanos, prostitutas, leprosos, uma das classes de pessoas excluídas da sociedade. Eles não eram considerados dignos de muitas coisas, dentre estas, a participação em certos aspectos da vida cultual do povo, mas, quando o Seu Filho se Encarna, é a esses pastores que o Pai vem, por meio do anjo, comunicar a grande alegria do Céu e da Terra.
O nascimento de Jesus traz, em seu bojo, profundas revelações cristológicas. Cristo é o Salvador, é o Filho de Deus. Isso é referido pelo anúncio do Anjo, pela Concepção milagrosa, pela coincidência entre o local do seu nascimento e o que diziam os relatos proféticos sobre a Vinda do Messias. Outro ponto que é encontrado nos relatos evangélicos sobre o nascimento do Menino Deus é que Ele nasce para salvar a todos, independente da classe social (o que é referido pelos pastores, pobres e excluídos, que são contemplados com a primeira manifestação pública do Natal) independente da cor e da nação a que pertença (o que é revelado pelos sábios estrangeiros, os magos, segundo a Tradição, que vêm oferecer seus dons ao Rei que nasceu). Aqui se encontra a chave de leitura para a passagem do Evangelho que diz: "[Porque o Filho do Homem veio salvar o que estava perdido.]" (Mt 18,11) e ainda, a afirmação de Pedro na casa de Cornélio: “estou compreendendo que Deus não faz discriminação entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença.”(At. 10,34b-35)
Deus está do lado dos pobres e excluídos. Quando Jesus Ressuscita, a primeira mulher a quem é revelado este fato é Maria Madalena, a prostituta convertida, que se tornará a primeira missionária do Ressuscitado.
Em Cristo, o menino que nasce em Belém, toda a terra, todas as gentes, por meio da fé, podem se aproximar de Deus e da Salvação que Ele traz. No Natal, os pobres e desprezados contemplam o Deus que vem, em feição de fraco para confundir os fortes. De fato, nos diz São Paulo: "Eis por que sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Porque quando me sinto fraco, então é que sou forte". (2Cor 12,10)
QUARTA LIÇÃO: A grande lição. A Paz

Os anjos, aos pastores, dizem: "Glória a Deus no mais alto dos céus e na terra paz aos homens, objetos da benevolência (divina)". (Lc 2,14) Em outras traduções, encontra-se “homens de boa vontade”, “aqueles que são do seu agrado” etc. Podemos então, entender essa expressão dos anjos como “aqueles que são do agrado do Pai”. E quem são estes? São todos os que são amados pelo Pai. E quem é que Deus ama? A todos. O amor de Deus, diz São Paulo, foi “[...]derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado". (Rm 5,5). É graças ao Espírito que o homem e a mulher podem fazer a experiência do amor de Deus. E todos os que experimentam o amor de Deus vivem a Paz do Natal. O amor do Pai traz a paz. Eis a grande lição.
O resumo da missão de Jesus é narrado por João: "Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna". (Jo 3,16). Isso é a paz, o shalom, a restauração plena, a vida completa, a cura, o amor, a felicidade. A Paz que Cristo traz é sinônimo de restauração completa, de restauração universal, na linguagem bíblica.
A pessoa de Jesus é essa paz. O que Ele faz, traz a paz.  A Sua Palavra, acolhida e vivenciada, estabelece a paz no mundo. É impossível viver a paz, sem o Cristo. São Paulo nos diz: "O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e gozo no Espírito Santo". (Rm 14,17)  e Pedro, na casa de Cornélio, afirma: "Deus enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando-lhes a boa nova da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de todos". (At 10,36)
Jesus é a Boa-Nova, o Evangelho da paz. Ele é a Paz. "Porque é ele a nossa paz, ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava," (Ef 2,14). Já nos anúncios veterotestamentários a respeito do Messias, se diz que o Salvador Prometido é o Príncipe da Paz. "[...]porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado; a soberania repousa sobre seus ombros, e ele se chama: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz". (Is 9,5)
Jesus, o Príncipe da Paz, é o único que pode nos trazer a paz. Só experimenta isso, quem acolhe o amor do Pai manifestado no Filho. O Natal só é de paz para quem encontra em Jesus, sua razão e fundamento.
QUINTA LIÇÃO: A meditação de Maria

A quinta lição do Natal é muito profunda. "Maria conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração". (Lc 2,19)
Grávida pelo Espírito, contemplando sua prima, que era estéril, ficar grávida por graça de Deus, vendo a profecia sobre Belém se cumprindo, tendo consciência de ter sido “a escolhida”, dentre todas as mulheres de  Judá para ser a Mãe do Messias, vendo nascer de seu ventre o Esperado das Nações, ouvindo os pastores narrarem o anúncio do Natal feito pelos anjos, acolhendo os presentes que os sábios do oriente ofertaram ao seu menino. Tudo isso, vivenciou Maria. Todas estas coisas eram motivos para que ela ficasse agitada, entusiasmada e, até mesmo, como a maioria de nós, diante dos milagres, dos dons e das escolhas de Deus, orgulhosa. Mas Maria escolhe o caminho do silêncio e da meditação.
Neste ano da fé, olhando para Maria diante dos acontecimentos do Natal, podemos aprender com ela, o verdadeiro caminho da fé.
a)      Ela compromete toda sua vida por causa de Jesus. Não foi apenas o empréstimo de um corpo, por um momento, por um tempo. A sua vida foi comprometida. Fica grávida, quase foi rejeitada pelo seu noivo, tem que fugir para o Egito e ficar lá até que Deus dê ordens para voltar. Tem que cuidar de Jesus. Tem que acompanhá-lo até à Cruz e, depois da Sua Ressurreição, acompanha com suas orações, o nascimento da Igreja. "Todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele". (At 1,14)
b)      Ela sofre todas as dificuldades para proteger Jesus. Como dizer a José? O que dizer às pessoas quando os sinais da gravidez se tornarem evidentes? Onde colocar o menino que nasceu, uma vez que não havia lugar na hospedaria?  Onde encontrar alimento para o Filho de Deus no Egito? Onde morar, numa terra estrangeira, para proteger o menino? O que fazer para socorrer o Filho  a caminho do Calvário? A Piedade popular, e a Tradição, atestam que Maria, a Mãe da Piedade, acolhe Jesus, morto, em seus braços. Certamente, será uma das que mais se alegrará com o anúncio da Ressurreição. Se Tomé duvidou, se Pedro e João foram atestar pessoalmente no sepulcro, se os discípulos de Emaús desanimaram, se os Apóstolos decidiram diante da morte de Cristo, a voltar a pescar, Maria, certamente, não duvidou. Ela O havia gerado. Ela vivera com Jesus os trinta anos em Nazaré. Ela sabia quem era o Seu Filho. Ela manteve a fé, por isso, João atesta: "Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena". (Jo 19,25)
c)      Ela vê muitos sinais maravilhosos que confirmam a Divindade do Filho. Magos chegam, abrem seus cofres e apresentam dons significativos: ouro para o Rei dos Reis; Incenso, para o Sacerdote Eterno que acaba de nascer; Mirra, para lembrar a Sua Morte, o Seu Sacrifício Único e Definitivo. E Maria contempla e medita sobre isso. Ao longo da vida de Jesus, muitas vezes Ele desconcerta a muitos com seus gestos, mas, Maria compreende seus significados. Ela sabe que o Filho tem o Poder e Autoridade, por isso, dirige-se a Ele, em Caná da Galiléia, quando faltou vinho na festa. Ela sabe que o Filho é Deus, e assim,
d)     Ela convive com o silêncio de Deus e com o silêncio do Filho, na simplicidade da vida comum de Nazaré, enquanto o menino crescia como uma criança comum. Certamente ela se questionava: quando e como seria a manifestação de Jesus ao mundo; como e quando Jesus assumiria publicamente a sua missão mas, em silêncio expectante, em fé, ela aguarda pois,
e)      Ela mantém a certeza da fé. Maria sabia de onde vinha Jesus. Conhecia a Sua Origem, aquilo que professamos em nosso símbolo de fé. Quem sabe quem é Jesus, permanece firme, não duvida jamais, por isso, contemplando Maria, neste ano da fé, podemos aprender o que é ter fé e assim, viver a vontade de Deus.

Natal é tempo de celebrar o amor de Deus que é manifestado ao mundo na pessoa de Jesus e assim, assumir as propostas de Deus para nossas vidas. Não se celebra Natal com presentes e festas. Isso é importante, porém, o essencial, é entender que, no Natal, o Filho de Deus se Encarna, se faz um de nós e transforma as nossas vidas.
Natal é todos os dias quando o Filho de Deus é aceitado na fé e se faz realidade em nosso cotidiano.
Shalom a todos!














[1] Membro da RCC desde 1996, ministro de música no Grupo de Oração Sagrado Coração de Jesus, Licenciado em História e Acadêmico de Psicologia.

domingo, 1 de maio de 2011

FESTA DA DIVINA MISERICÓRDIA

PADRE FÁBIO PREGA EMOCIONADO NA FESTA DA DIVINA MISERICÓRDIA PARA MULTIDÃO REUNIDA NA CANÇÃO NOVA

Na Festa da Divina Misericórdia na Canção Nova, no dia primeiro de maio de dois mil e onze, o Padre Fábio de Mello, muito emocionado, pregou a respeito da misericórdia de Deus que se manifesta em Jesus Cristo. O Padre começou a pregação falando a respeito da nossa condição de miseráveis. Falava ele para as pessoas: [A vida pode ter lhe trazido misérias mas, você não é miserável. Não podemos nos transformar nos erros cometidos.] O padre, com muita sabedoria, levou as pessoas a perceber que [o pecado nos leva a ter repulsa de nós mesmos.] e assim [necessitamos ouvir, todos os dias, que Deus nos ama e não se cansa de nós! Apesar da minha miséria, esta notícia não muda: Deus me ama! Não posso modificar, com minha miséria, a plenitude da Salvação!] E assim, foi demonstrando o Plano da Salvação dizendo que [o Movimento do Criador é para que suas criaturas O percebam e O conheçam! Diminuo a solidão de Deus. Ele não é só Criador. Ele quer que a Criatura O reconheça. Esse é o esforço do Criador na Sua Revelação. O Pai foi se revelando até chegar à Plenitude da Revelação: Jesus Cristo. Em Jesus Misericordioso, o Pai diz que a Criação é fruto do amor!]


 

Jesus é a manifestação do amor de Deus ao mundo. Essa foi a tônica da pregação do Padre Fábio. Segundo ele [o amor só se aprende através de outra pessoa. Amar, como dizia Drummond, só se aprende, amando. O Pai, então, enviou um homem que ama! Jesus é um homem que não relativiza a religião. Ele é um homem que luta pelo que crê e leva até às últimas consequências, o resultado daquilo que fala. Jesus gosta da vida. É terno. Não tem preconceitos. Não tem medo de estar com aqueles que não deveria estar. [Quem ama de verdade, não tem medo de encontrar as pessoas e os miseráveis – Temos medo dos miseráveis porque a miséria do outro me lembra que também eu, sou miserável.] Jesus cria confusão mas, resolve as confusões com sua capacidade de amar. Ele vai além das aparências e descobre os corações cheios de Deus, para além das aparências pavorosas. Jesus chorou. Se mostrou humano e não teve medo de confundir a consciência das pessoas ao se mostrar humano. Jesus passou a vergonha da cruz.]


 

Após essas elucubrações sobre a personalidade de Cristo, o padre passou a refletir a respeito da Obra da Misericórdia de Deus na vida de quem crê. [É Deus quem entra na minha vida e me apresenta Jesus!] e continua [podemos segui-lo sendo divinos e sendo homens. Jesus disse a Santa Faustina: 'Que a alma fraca, pecadora, não tenha medo de se aproximar de mim!'] Dito isto, falou daquilo que considera o [câncer do auto-desprezo que o pecado causa em mim] e que Jesus[pode curar]. O Sacerdote também demonstrou que [o medo de Deus termina, quando descubro que, se Jesus amava os miseráveis, pode amar a mim também. Não há nada que não possa ser curado pela misericórdia de Jesus! A gente desiste porque nos faltam discursos religiosos para nos sustentar.] e continuou mostrando que, para a misericórdia de Deus atingir o mundo é preciso que nós possamos ser canais da mesma. [O amor de Deus visita o mundo quando eu, na minha limitação me disponho a ser um lugar onde o outro possa encontrar o amor que lhe falta. Se Deus é misericordioso comigo, devo ter misericórdia com o outro. O mundo precisa reconhecer em nós, os amantes que Cristo colocou! (devemos) amparar a fraqueza humana. Não posso dizer que o outro não tem jeito pois, a misericórdia de Deus nunca vai nos dizer que somos casos perdidos!]


 

Num terceiro ponto de sua belíssima pregação, com muita sabedoria e eloquência, o Sacerdote postulou sobre a exigência da Misericórdia de Jesus. Disse ele: [A misericórdia é também, dureza. Jesus, ao amar, nos corrige, nos põe limites. Amor é limite tênue entre permissão e negação. É no equilíbrio entre o não e o sim, que construímos pessoas saudáveis e equilibradas. (Mas) se eu acreditar verdadeiramente que no coração de Deus há sempre um lugar pra mim, vou mudar de vida logo. (Dessa forma), o anúncio do Evangelho não deve servir pra proibir mas, para que eu escolha a vida: isso cria a consciência. A experiência de Deus se percebe no sono tranquilo, com a consciência tranquila.] e dirigindo –se ao quadro da Misericórdia falou: [O quadro de Jesus Misericordioso quis mostrar a grandeza de Deus com os raios atingindo o chão, pois é aí, no chão da existência, que mora a miséria do homem. É melhor ser miserável aos pés de Jesus do que, ser vitorioso sobre o rabo do diabo. Dito isto, é importante perceber que, o pavão de hoje será o espanador de amanhã. O diabo nos eleva e quando começamos a descer, vamos nos tornando amargos. Debaixo dos pés de Jesus, estamos protegidos! Sendo miserável a seus pés, Ele me protege! Aos pés de Jesus, nenhum pecado haverá de prevalecer. A misericórdia será meu sustento! Quanto mais misérias eu tenho, maior será a minha necessidade de ficar debaixo dos raios da misericórdia.]


 

A partir deste ponto, o padre refletiu a respeito da vaidade espiritual como empecilho à vivência da Misericórdia. [A pior vaidade é a espiritual. É uma contradição com a santidade.] E continuou: [ único momento em que Jesus se colocou acima de todos foi na humilhação da Cruz, para morrer, (dessa forma), a Religião não pode ser vista como couraça de proteção que nos leva a ser melhores do que os outros.]


 

Padre Fábio relacionou a evangelização à vivência concreta do amor. [O primeiro gesto evangelizador que podemos fazer por alguém, é amar.] E, testemunhando um diálogo que teve com o Padre Leo (falecido), em seus tempos de seminarista, deixou-nos um pensamento maravilhoso: [Toda vez que, na vida, a gente se recorda que é miserável, não é inteiro, e temos que conviver com a tristeza de não ser o que deveríamos ser, devemos fazer um favor para nós mesmos: olhar para Jesus e perceber que Ele nos ama do jeito que somos, com nossas misérias.] E assim, levou os presentes a entender que todos precisamos da Misericórdia Dele partilhando como o Padre Leo lhe ensinou a comparar Deus com a água da garrafa. [Deus é igual à água da garrafa: se eu guardá-lo, Ele envelhece! E a torneira está sempre lá para encher a garrafa novamente.]


 

Ao final da pregação, o Padre Fábio trouxe uma nova interpretação da Imagem de Jesus Misericordioso: [As mãos do quadro de Jesus Misericordioso nos revela que precisamos estar atentos (mão levantada) mas, devemos estar Nele (mão no peito). Só tenho condições de ser Jesus, se eu me reconciliar com minhas fraquezas!] E, partilhou que, se tivesse autoridade, instituiria o Dia da Misericórdia como o Dia do Amigo. [A Festa da Divina Misericórdia precisa ser o Dia do Amigo. São os nossos verdadeiros amigos quem nos ensinam a verdadeira misericórdia! O verdadeiro amigo está sempre ao nosso lado, pronto para ser a misericórdia de Deus pra mim! Nunca vamos esquecer quem nos ama e nos deu uma nova chance!] E mostrou que o amigo é aquele que se aproxima de nós. E os familiares são nossos amigos. [A casa é o lugar de aprender o exercício da misericórdia.]


 

Padre Fábio encerrou dizendo: [Viver sob a luz da misericórdia requer coragem! O Céu é realidade. O Céu é meu. Sou Filho do Céu! Ainda posso me converter enquanto tiver vida!]


 

Beatificação de João Paulo II

João Paulo II: virtudes de um Papa santo

Por Pe. Francisco Faus

UMA TOCHA DE FÉ

O instinto do povo não se enganava quando, desde o início do pontificado de João Paulo II, via no Papa Wojtyla um homem de Deus. A fé notava-se-lhe no calor sereno e viril da voz, no olhar profundo, afetuoso e calmo, na paz com que abraçava o seu serviço sacrificado e incansável e com que aceitava as adversidades, doenças e dores como vindas da mão de Deus.

A fé, uma fé segura, sólida e feliz, pode-se dizer que lhe saía por todos os poros do corpo e da alma. Acreditava mesmo em Deus, acreditava mesmo em Jesus Cristo, único Salvador do mundo; acreditava plenamente no chamado de todos à salvação que está em Cristo Jesus; acreditava, com confiança de filho, na intercessão da santíssima Virgem Maria, em cujos braços maternos se abandonara muito cedo, declarando-se Totus tuus!: Todo teu!.

A ORAÇÃO, ESPELHO DA FÉ

Diz-se, com toda a razão, que a oração é o espelho da fé. É pela oração que a alma se une a Deus, em plena intimidade; é pela oração amorosamente contemplativa que os traços de Cristo se imprimem na alma; é pela oração que os olhos vêem o mundo, a história, os homens , cada homem , com a própria visão de Deus; e é pela oração que se pode chegar a dizer, como São Paulo: Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim (Gál 2, 20).

Pois bem, João Paulo II vivia literalmente mergulhado na oração. E isso, mesmo para os que o ignoravam, se notava de uma forma indisfarçável. Desde o início do seu pontificado, continuando, aliás, com seus antigos hábitos de padre e de bispo, levantava-se às 5,30 horas e, depois de se arrumar, ia imediatamente à capela para fazer mais de uma hora de oração íntima, ajoelhado diante do sacrário, perante um crucifixo e uma imagem da Virgem Negra de Czestokowa [1].

No seu penúltimo livro, Levantai-vos! Vamos![2],
o próprio Papa fala da alegria de ter a capela tão perto das dependências onde trabalhava: [A capela fica tão próxima para que na vida do bispo tudo (a pregação, as decisões, a pastoral) tenha início aos pés de Cristo, escondido no Santíssimo Sacramento [...]. Estou convencido de que a capela é um lugar de onde provém uma inspiração particular. É um privilégio enorme poder habitar e trabalhar no espaço dessa Presença, uma Presença que atrai, como um potente ímã]. [Todas as grandes decisões, comentava um dos seus ajudantes, tomava-as de joelhos em frente ao santíssimo Sacramento].

A capela era, realmente, o ímã constante, irresistível, do dia-a-dia de João Paulo II. Nela, além da oração matutina e da celebração da Santa Missa, rezava todos os dias a Liturgia das Horas. Na capela, muitas vezes, das 9:30 às 11:00 horas, dedicava-se a escrever, anotando sempre no cabeçalho de cada folha uma oração abreviada, uma jaculatória. Na capela, guardava o que ele chamava a [geografia da sua oração], pois, no interior da parte de cima do genuflexório, as freiras que cuidavam da casa pontifícia deixavam centenas de folhas datilografadas, com pedidos de oração pessoal enviados por carta ao Papa por fiéis de todo o mundo, intenções pelas quais fazia questão de rezar. Conta-se que um dos seus secretários, o Pe. John Magee, procurou certa data o Papa nos seus aposentos e não o encontrou. Foi-lhe indicado que o procurasse na capela, mas não o viu. Sugeriram-lhe, então, que olhasse melhor, e lá descobriu efetivamente o Papa, prostrado no chão, em adoração, diante do Sacrário.

Esse clima de oração estendia-se, como uma onda cálida, a todas as atividades do dia. João Paulo II rezava constantemente: entre as diversas reuniões, a caminho das audiências, no carro, num helicóptero… Num terraço do Palácio Apostólico, onde mandara colocar as catorze estações da Via Sacra, praticava essa devoção todas as sextas-feiras do ano e, na Quaresma, todos os dias. Rezava o terço em diversos momentos da jornada, até completar o Rosário. Um detalhe simpático: só dedicava ao descanso, após o almoço, uns dez minutos; depois dos quais, enquanto outros repousavam, passeava pelos jardins do Vaticano rezando o terço [3].

COM OS OLHOS DA FÉ

A oração, a intimidade com Deus, é a condição imprescindível para que permaneçam abertos e argutos os olhos da fé. Na Missa inicial do Conclave, dia 18 de abril de 2005, o cardeal Ratzinger dizia uma verdade grande e simples: [Quanto mais amamos Jesus, tanto mais o conhecemos]. E na Missa de exéquias, o mesmo cardeal dizia: [O amor de Cristo foi a força dominante em nosso querido Santo Padre. Quem o viu rezar, quem o viu pregar, sabe disso].

Isso explica a serena firmeza com que João Paulo II se empenhou sem descanso, ao longo dos seus vinte e seis anos de pontificado, em aprofundar na autêntica doutrina católica, muitas vezes chegando, como exímio filósofo e teólogo que era, a profundidades deslumbrantes, e em difundi-la por todo o mundo. A fé, enraizada no amor, dava-lhe autenticidade. Todos sabiam que pregava sobre aquilo em que firmemente acreditava, sobre aquilo que vivia, sobre aquilo que sinceramente amava e sentia, quer fossem as verdades da fé relativas ao Redentor do homem, ao Espírito Santo, à Eucaristia, ao sacramento da Reconciliação, ao sentido do sacerdócio, ao Ecumenismo, à missão maternal de Maria…, quer às verdades morais que exprimem o plano de Deus sobre a família, sobre o amor humano e o sexo, sobre a dignidade inviolável da vida desde o primeiro instante da concepção até à morte natural, sobre o valor permanente dos Mandamentos do Decálogo, etc.[4]

Muitos experimentavam o impacto dessas verdades, e mudavam. Outros, vibravam com elas e admiravam o Papa, mesmo que não se decidissem a praticá-las. Alguns, desorientados, as contestavam. Mas afora uns poucos sectários, todos, a começar pelos não católicos e os não crentes, captavam que o Papa tinha, nas suas falas, a transparência de Deus, a [longitude de onda] da Palavra de Deus. Era como se vissem nele, feito realidade, o louvor que Cristo dirigiu a Pedro em Cesaréia de Filipe:Feliz és Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos Céus (Mat 16, 17), bem como a oração que Jesus fez por Pedro na Última Ceia: Simão…, eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos (Luc 22, 32).

COM A FORTALEZA DA FÉ

A fé, quando autêntica, é uma certeza amorosa que, depois de elevar até Deus a alma agradecida, aninha-se no coração e o torna capaz de amar a todos. Aí está a diferença entre fé e fanatismo, entre convicção e [fundamentalismo]. O fanático, o fundamentalista exasperado, não é capaz de compreender os que não pensam como ele; despreza-os e chega a odiá-los.

Pelo contrário, quem tem a alma iluminada pela fé de Jesus Cristo só sabe amar e, como ama loucamente Jesus, que veio ao mundo, como Ele dizia a Pilatos, para dar testemunho da verdade (Jo 18, 37), conjuga em perfeita harmonia a firmeza na fé (sem [espaço para cedências nem para um recurso oportunista à diplomacia humana] [5]), com a compreensão e o afeto sincero para com os que divergem e erram. A afirmação da sua fé nunca foi, em João Paulo II, uma imposição irada, mas um convite, como o que marcou o início do seu pontificado: [Não tenhais medo! Abri as portas a Cristo!]

Assim foi João Paulo II, forte na fé, como pedia São Pedro (I Pdr 5, 9), de quem foi sucessor , [com uma fé corajosa e sem medo, uma fé temperada na provação, pronta para seguir com generosa adesão qualquer chamado de Deus][6]; e, ao mesmo tempo, um homem de braços abertos, disposto incansavelmente a sofrer todas as dificuldades, e até mesmo vexames e desprezos (como sucedeu, por exemplo, com alguns episódios indelicados na Nicarágua marxista, em Cuba e na Grécia), para avançar passo a passo, sem nunca desfalecer, pelo caminho do diálogo com os representantes das outras confissões cristãs, com os não-cristãos e com os não-crentes.

Numa breve biografia sobre João Paulo II, o então cardeal Ratzinger terminava dizendo: [Hoje também os espíritos críticos sentem com uma clareza sempre maior que a crise do nosso tempo consiste na «crise de Deus», no desaparecimento de Deus do horizonte da história humana. A resposta da Igreja deve ser uma só: falar sempre menos de si mesma e sempre mais de Deus, dando testemunho dEle e sendo a porta para Ele. Este é o verdadeiro conteúdo do pontificado de João Paulo II que, com o passar dos anos, torna-se sempre mais evidente] [7].

UMA TOCHA DE CARIDADE

AMOU ATÉ O FIM

Os últimos anos, os últimos meses, os últimos dias de João Paulo II, evidenciaram de uma maneira impressionante e crescente, aos olhos de todos, que aquele ancião doente, combalido, encurvado, sofredor, cada vez mais limitado, depois de ter dado a vida inteira ao serviço de Deus e de seus irmãos os homens, estava disposto a entregar até a última gota, até o último alento, enquanto Deus não viesse buscá-lo.

Seguindo as pegadas de Cristo, decidiu-se a levar a sua caridade, o seu amor, até ao extremo, como Jesus, de quem diz o Evangelho que, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim (Jo 13, 1).

Ele próprio deixara escritas no seu testamento, no ano 2000, as seguintes palavras: [Segundo os desígnios da Providência, foi-me concedido viver no difícil século que está ficando no passado e agora, no ano em que a minha vida alcança os oitenta anos, é necessário perguntar-me se não chegou a hora de repetir com o bíblico Simeão: «Nunc dimittis» [refere-se à oração do ancião Simeão que, no dia da apresentação do Menino Jesus no Templo, diz a Deus que agora já o pode levar em paz deste mundo: cfr. Luc 2, 29]].

O escrito continua: [No dia 13e de maio de 1981, o dia do atentado contra o Papa durante a audiência geral na Praça de São Pedro, a Divina Providência me salvou milagrosamente da morte. O mesmo único Senhor da vida e da morte me prolongou esta vida e, em certo sentido, voltou a dar-ma de novo. A partir desse momento, pertence-lhe ainda mais [...]. Peço-lhe que me chame quando Ele quiser. «Se vivemos, vivemos para o Senhor; e se morremos, morremos para o Senhor… Somos do Senhor (Cf. Rom 14,8)». Espero que até que possa completar o serviço petrino [de sucessor de Pedro] na Igreja, a Misericórdia de Deus me dê forças para este serviço].

E assim foi. A sua entrega foi como a de uma lamparina que se extingue só depois de consumir-se inteiramente. Mas, à medida em que sua vida se ia apagando, o seu amor resplandecia com mais força. Quem não se lembra do seu derradeiro esforço por se comunicar, por levar a Palavra aos fiéis, naquele dia de abril em que, o rosto emoldurado pela janela de onde tinha falado tantas vezes, só pôde abrir a boca para exprimir silenciosamente a dor, a agonia, as lágrimas silenciosas de um pastor esgotado, que já não mais conseguia articular uma palavra?

Deixou-nos assim um reflexo extraordinário da imagem do Bom Pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas (Jo 10, 11). Na homilia das exéquias, o Cardeal Ratzinger recordava essa figura evangélica em que João Paulo II ficava retratado: [Foi sacerdote até o final, porque ofereceu a sua vida a Deus por suas ovelhas e por toda a família humana, numa entrega cotidiana ao serviço da Igreja e, sobretudo, nas duras provas dos últimos meses. Assim se converteu em uma só coisa com Cristo, o Bom Pastor que ama as suas ovelhas].

AQUELE QUE DÁ A VIDA POR SEUS AMIGOS

Eis aqui outras palavras de Cristo, na Última Ceia, que ajudam a captar essa tocha de caridade: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos (Jo 15, 15).

Cristo deu a vida com a sua dedicação infatigável aos homens: Não vim para ser servido, mas para servir e dar a vida para salvação de muitos (cfr. Mat 20, 28) , mas a sua entrega chegou ao ápice no sacrifício da Cruz. Com efeito, foi na Cruz, quando já do corpo dilacerado escorriam as últimas gotas do sangue derramado para a remissão dos pecados (Mt 26, 28), que Jesus pôde dizer: Tudo está consumado! (Jo 19, 30).

Nos últimos anos, João Paulo II foi-se configurando, cada vez mais plenamente, com Jesus sofredor, com a sua Paixão e Morte, viveu uma intensa [consciência] do valor salvador da Cruz , que ele sempre amara: [Nunca me aconteceu, escrevia, de colocar com indiferença a minha Cruz peitoral de bispo. É um gesto que sempre acompanho com a oração. Há mais de quarenta e cinco anos que a Cruz pousa em meu peito, ao lado do meu coração. Amar a Cruz quer dizer amar o sacrifício][8].

À medida que os seus sofrimentos físicos foram aumentando, até envolvê-lo, por assim dizer, como uma espessa malha torturante, o Papa foi compreendendo com mais profundidade que a sua dor, em união com a de Jesus crucificado, seria, por desígnio divino, a nova forma de cumprir a missão de pastor de um rebanho imenso, espalhado pelo mundo, entre perigos, incertezas e ameaças.

Deixemos a palavra, mais uma vez, ao cardeal Ratzinger, na homilia das exéquias de João Paulo II: [Precisamente nesta sua comunhão com o Senhor que sofre, o Papa anunciou, infatigavelmente e com renovada intensidade, o Evangelho, o mistério do amor até o fim]. E, neste ponto, o cardeal citava palavras do próprio João Paulo II no seu último livro [Memória e Identidade] (págs. 189-190): [Cristo, sofrendo por todos nós, conferiu um novo sentido ao sofrimento, introduziu-o em uma nova dimensão, em uma nova ordem: a do amor… É o sofrimento que queima e destrói o mal com a chama do amor, e até do pecado tira um florescimento multiforme de bem].

É tocante perceber como João Paulo II ia crescendo nessa profunda visão sobrenatural. Após a queda no banheiro, em 28 de abril de 1994, com graves fraturas, o Papa sofreu uma nova intervenção cirúrgica na Policlínica Gemelli, que, no entanto, não pôde resolver satisfatoriamente o problema. Passou, então, a usar bengala. As dores não cederam, ao contrário. Os movimentos tornaram-se mais trôpegos e penosos.

Quando voltou a dirigir-se aos fiéis presentes na Praça de São Pedro, à hora do Ângelus, em 29 de maio, agradeceu publicamente a Cristo e Maria o [dom do sofrimento], que via como [um dom necessário]. Explicava-lhes, falando especialmente às famílias: [Meditei vezes sem conta sobre tudo isso durante a minha estadia no hospital… Compreendi que tenho de conduzir a Igreja de Cristo até este terceiro milênio através da oração, de vários programas de atuação, mas vi que não é suficiente: tem de ser guiada pelo sofrimento, pelo ataque de há treze anos [o atentado de Ali Agca] e por este novo sacrifício [...]. O Papa tinha de ser atacado, o Papa tinha de sofrer, de modo que todas as famílias e o mundo possam ver que existe um Evangelho mais grandioso: o Evangelho do sofrimento, pelo qual o futuro é preparado, o terceiro milênio das famílias, de cada família e de todas as famílias] [9]

No dia primeiro de abril, pressentindo-se um próximo desenlace, o Arcebispo Angelo Comastri, Vigário para o Estado da Cidade do Vaticano e grande amigo do Papa, foi chamado com urgência ao quarto do pontífice agonizante. Diante dele, como comentou depois pela Rádio vaticana, experimentou uma emoção indescritível: [Ao vê-lo no leito do sofrimento, disse-lhe: «És verdadeiramente o Vigário de Cristo até o final, na paixão que estás vivendo, de modo tão edificante que comove o mundo». O Papa, continuou a narrar, com a sua dor, escreveu a encíclica mais bela da sua vida, fiel a Jesus até o final], a [encíclica nunca escrita] [10].

A sua morte espantou o mundo, pois viu nela um [Evangelho da vida]. O Papa alegre, que amou entranhadamente a juventude, pouco antes de expirar soube que multidões de jovens rezavam e velavam a sua agonia ao pé da sua janela, e então disse, com um fio de voz apenas perceptível: [Vi ho cercato, adesso siete venuti da me, e per questo vi ringrazio] ([Eu procurei vocês, jovens, agora vocês vieram ter comigo; e por isso lhes dou as graças]). Foram as últimas palavras que pronunciou.

A MIM O FIZESTES

A tocha ardente e clara do exemplo de caridade de João Paulo II ficaria incompleta se não acenássemos, pelo menos, a um dos empenhos mais característicos do seu pontificado: a veneração, o imenso respeito, o amor pela [dignidade do homem, de cada homem, de cada mulher]. Extasiava-se ao pensar no [milagre da pessoa, da semelhança do homem com Deus Uno e Trino][11]. Tinha assimilado plenamente as palavras de Cristo: Tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes (Mat 25, 40).

Daí a sua defesa vigorosa da vida, desde que começa a alvorecer recém-concebida, e a fortaleza com que se opôs a qualquer destruição ou rebaixamento do ser humano como se fosse um objeto, desde as manipulações genéticas e experiências destrutivas de embriões e fetos, e o uso do corpo como mero instrumento de prazer, até a defesa da morte natural digna, de que deu exemplo com sua própria morte , que rejeita como uma indignidade a eutanásia direta, expediente egoísta e cômodo de uma sociedade hedonista que só pensa em livrar-se de problemas do modo mais expeditivo.

Sofria ao constatar que, na sociedade materializada atual, [o homem ficou só], e que a sua liberdade divinizada, transformada num ídolo sem Deus, sem verdades nem valores firmes, acaba sendo uma fonte de [nefastas conseqüências morais, cujas dimensões são às vezes incalculáveis][12].

Só sabia ver as pessoas, cada uma delas, sob a luz de Deus. [Eu simplesmente rezo por todos a cada dia. Basta encontrar uma pessoa, oro por ela, e isso facilita sempre o contato [...]. Sigo o princípio de acolher cada um como uma pessoa que o Senhor me envia e que, ao mesmo tempo, me confia] [13].

E quando se tratou de um assassino a soldo, que friamente fez tudo para matá-lo, que ficou frustrado ao ver que o Papa sobrevivia ao atentado e que jamais esboçou sequer um pedido de perdão? O seu amor não mudava. O valor que dava a cada pessoa humana não mudava, e até mesmo atingia o cume do amor, conseguindo perdoar de todo o coração, devolver bem por mal, amor por ódio, bondade por maldade. Desde o primeiro instante, após o atentado, João Paulo II perdoou Mehmet Ali Agca e rezou por ele. Voltou a dar o perdão publicamente, na primeira audiência que pôde ter com os fiéis. Foi visitá-lo na prisão e ofereceu-lhe seu abraço sincero. Várias vezes, como contava o secretário particular do Papa, Mons. Stanislaw Dziwisz, [recebeu a mãe e os familiares de Agca e perguntava freqüentemente por ele aos capelães da prisão] [14].

Esta é, mais uma vez, a luz de Cristo, a tocha fascinante de amor cristão, irradiando sobre o mundo inteiro pelo exemplo, pela chama de amor de um homem de Deus: Senhor, perguntou a Jesus o [primeiro Pedro], quantas vezes devo perdoar a meu irmão, quando ele pecar contra mim? Até sete vezes? Respondeu Jesus: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete»] (Mat 18, 21-22).

UMA TOCHA DE ESPERANÇA

AINDA QUE ATRAVESSE O VALE ESCURO, NÃO TEMEREI…

Desde que iniciou a sua preparação para o sacerdócio, Karol Wojtyla foi colocado por Deus numas circunstâncias dramáticas, em que só podia ser fiel à sua vocação [atravessando o vale escuro], como diz o Salmo 23. A sua terra, a Polônia, esteve dominada durante boa parte do século XX pelas duas [ideologias do mal][15]que mais acirradamente se propuseram aniquilar o Cristianismo: o nazismo e o marxismo-leninismo. A [aventura] heróica, empolgante, que significou para o seminarista, o padre e o bispo Wojtyla a vida no ambiente de guerra, de ditaduras e perseguições desencadeadas por essas duas ideologias está bem descrita nas boas biografias já existentes[16].

O perigo nazista foi derrotado em 1945, mas a sombra do marxismo totalitário e ateu cresceu e pairou opressivamente sobre a Polônia dominada, e ameaçava o mundo inteiro até a sua decomposição e queda, acontecida no final dos anos oitenta.

Contudo, quase vinte anos antes dessa falência do [comunismo real], outras sombras escuras estavam surgindo, densas e igualmente agressivas contra Cristo e a sua Igreja, contra a fé e a moral cristãs: as sombras do materialismo hedonista e consumista do ocidente, cada vez mais alicerçado na ideologia laicista, que hoje ataca a Igreja quase com a mesma ferocidade ideológica que o nazismo e o marxismo.

João Paulo II, no seu livro evocativo [Memória e identidade], comenta que, ao cessarem os campos de extermínio (os campos de concentração nazistas e os gulagcomunistas) , assistimos hoje ao [extermínio legal de seres humanos concebidos e ainda não nascidos; trata-se de mais um caso de extermínio decidido por parlamentos eleitos democraticamente, apelando ao progresso civil das sociedades e da humanidade inteira. E não faltam outras formas graves de violação da Lei de Deus; penso, por exemplo, nas fortes pressões [...] para que as uniões homossexuais sejam reconhecidas como uma forma alternativa de família, à qual competiria também o direito de adoção. É lícito e mesmo forçoso perguntar-se se aqui não está atuando mais uma ideologia do mal, talvez mais astuciosa e encoberta, que tenta servir-se, contra o homem e contra a família, até dos direitos humanos] [17]

A essa realidade, é preciso somar o fato de que João Paulo II assumiu a cátedra de Pedro em tempos (que vêm se prolongando, em parte, até aos nossos dias) em que a crise do chamado [falso pós-Concílio] grassava na Igreja, gerando um ambiente amplamente estendido de desorientação doutrinal, disciplinar e moral, em que não faltavam erros graves e rebeldias mesmo entre os eclesiásticos.

O quadro seria de molde a encolher os ânimos e suscitar o uma visão pessimista do futuro. Pois bem, é justamente sobre estas sombras de fundo que resplandece mais, com fulgor de santidade, a esperança alegre, serena e segura que animou, em todos os momentos, a alma e o trabalho de João Paulo II, até ao dia da sua morte. Nunca nele se viu um gesto de desalento, uma lamúria, um comentário negativo ou amargo. Viu-se sempre, pelo contrário, um otimismo juvenil, criativo, inabalável, fundamentado numa fé igualmente jovem, renovada e inquebrantável.

NÃO TENHAIS MEDO: ABRI AS PORTAS A CRISTO!

O otimismo do Papa não era coisa temperamental, nem era uma [posição] adotada para ajudar os fiéis a superar tempos difíceis. Era a manifestação da esperança sobrenatural cristã, que vive apoiada em Deus. Essa esperança possuía raízes profundamente fincadas na alma de João Paulo II.

Todos os que vivemos, de perto ou de longe, a surpresa da eleição de João Paulo II, guardamos a lembrança do dia 22 de outubro de 1978, data do início solene do seu pontificado. Como, depois, nos dias da sua morte, uma multidão apertava-se na Praça de São Pedro. O Papa começou a pronunciar a sua homilia, no meio de um silêncio total. Pouco depois de iniciá-la, os fiéis sentiram um estremecimento no coração, porque João Paulo II, esboçando um leve sorriso, encarou o povo de frente e, com um ar jovial, seguro, tranqüilo, lançou com voz clara e forte um apelo: [Não tenhais medo! Abri as portas ou, melhor, escancarai as portas a Cristo!]

Este apelo, que conclamava os católicos e os homens de boa vontade a olhar para o futuro com esperança, tornou-se para o Papa como que o [refrão] do seu pontificado. Dezesseis anos mais tarde, em 1994, ele mesmo glosou essas palavras numa entrevista concedida ao jornalista Vittorio Messori, transcrita no livro [Cruzando o limiar da esperança][18]:

[Não tenhais medo!, dizia Cristo aos Apóstolos (Lc 24, 36) e às mulheres (Mt 28, 10), depois da Ressurreição [...]. Quando pronunciei estas palavras na praça de São Pedro não me podia dar conta plenamente de quão longe elas acabariam levando a mim e à Igreja inteira. Seu conteúdo provinha mais do Espírito Santo, prometido pelo Senhor Jesus aos Apóstolos como Consolador, do que do homem que as pronunciava. Todavia, com o passar dos anos, eu as recordei em várias circunstâncias. Tratava-se de um convite para vencer o medo na atual situação mundial [...]. Talvez precisemos mais do que nunca das palavras de Cristo ressuscitado: [Não tenhais medo!]. Precisa delas o homem [...], precisam delas os povos e as nações do mundo inteiro. É necessário que, em sua consciência, retome vigor a certeza de que existe Alguém que tem nas mãos a sorte deste mundo que passa; Alguém que tem as chaves da morte e do além; Alguém que é o Alfa e o Ômega da história do ser humano. E esse Alguém é Amor, Amor feito homem, Amor crucificado e ressuscitado. Amor continuamente presente entre os homens. É Amor eucarístico. É fonte inesgotável de comunhão. Somente Ele é que dá a plena garantia às palavras: «Não tenhais medo».]

É emocionante verificar que a mesma esperança da primeira mensagem de João Paulo II animou a sua última mensagem. No domingo, dia 3 de abril de 2005, a primeira vez em que era celebrado o [Domingo da Divina Misericórdia], o arcebispo Sandrini leu à multidão congregada na praça de São Pedro a última alocução preparada com antecedência pelo Papa, que falecera no dia anterior. Ele desejava ter podido pronunciá-la no encontro tradicional da hora do Angelus desse dia (do Regina Caeli, pois era tempo pascal): […À humanidade – dizia – , que às vezes parece perdida e dominada pelo poder do mal, do egoísmo e do medo, o Senhor ressuscitado oferece a sua misericórdia como dom do seu amor que perdoa, reconcilia e reabre o ânimo à esperança. É um amor que converte os corações e doa a paz. Quanta necessidade tem o mundo de compreender e acolher a Divina Misericórdia! Senhor, que com a vossa morte e ressurreição revelais o amor do Pai, nós acreditamos em Ti e hoje te repetimos com confiança: «Jesus, confio em Ti! Tem misericórdia de nós e do mundo inteiro!»]. A mensagem terminava convidando a [contemplar com os olhos de Maria o imenso mistério desse amor misericordioso que brota do coração de Cristo].

OS SEGREDOS DA ESPERANÇA

A Epístola aos Hebreus diz que "a fé é o fundamento da esperança" (Hebr 11, 1). Assim foi, sem dúvida, na vida de João Paulo II.

No livro [Cruzando o limiar da esperança], o Papa pergunta-se: [Por que não devemos ter medo?]. E responde: [Porque o ser humano foi redimido por Deus [...].Deus amou tanto o mundo que entregou seu Filho Unigênito (Jo 3, 16). Este Filho continua na história da humanidade como Redentor. A revelação divina perpassa toda a história do ser humano, e prepara o seu futuro… É a luz que resplandece nas trevas(cfr. Jo 1, 5). O poder da Cruz de Cristo e da sua Ressurreição é maior que todo o mal de que o homem poderia e deveria ter medo] – conclui, grifando explicitamente a última frase [19].

Na verdade, é nesta última frase que se encerra todo o segredo da esperança cristã. O biógrafo Jorge Weigel, referindo-se a um comentário feito pelo dissidente iugoslavo Milovan Djilas, no sentido de que aquilo que mais lhe havia impressionado no Papa foi perceber que era um homem totalmente destemido, esclarecia o verdadeiro caráter dessa coragem: [Trata-se de uma audácia inequivocamente cristã. Na fé cristã o medo não é eliminado, mas transformado através de um encontro pessoal profundo com Cristo e com a sua Cruz. A Cruz é o lugar onde todo o medo humano foi oferecido pelo Filho ao Pai, livrando-nos a todos do medo] [20].

Alguns anos depois, em 2005, João Paulo II corroborava essa interpretação. No livro [Memória e Identidade], diz: [Porventura não é o mistério da Redenção [da Cruz, da Morte e da Ressurreição de Cristo] a resposta ao mal histórico que retorna, sob as mais variadas formas, nos acontecimentos do homem? Não será a resposta também ao mal do nosso tempo? [...]. Se olharmos, com olhos mais clarividentes, a história dos povos e das nações que passaram pela prova dos sistemas totalitários e das perseguições por causa da fé, descobriremos que foi então precisamente que se revelou com clareza a presença vitoriosa da Cruz de Cristo [...], como promessa de vitória [...]. Se a Redenção constitui o limite divino posto ao mal, isso se verifica apenas porque nela o mal fica radicalmente vencido pelo bem, o ódio pelo amor, a morte pela ressurreição] [21].

Cristo vence o mundo do mal, do pecado, vence o Inimigo, vence a morte. E a sua vitória é nossa: Esta é a vitória que vence o mundo, a nossa fé (I João 5, 4).

Com essa mesma esperança bem fundada, o Papa entrava, e nos ajudava a entrar com ele no novo milênio, oferecendo-nos, na Carta apostólica [Novo millennio ineunte] (No início do novo milênio), de 6 de janeiro de 2001, todo um programa vibrante e otimista para o período que se iniciava. Também nessa Carta, a alegre esperança brotava da fé em Cristo Redentor, ressuscitado, vivo, que [não nos deixou órfãos] (cfr. Jo 14, 18), que nos prometeu "estar conosco todos os dias até o fim do mundo" (cfr. Mat 28, 20). [Agora é para Cristo ressuscitado que a Igreja olha], escrevia. [Passados dois mil anos desses acontecimentos (Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo), a Igreja revive-os como se tivessem sucedido hoje. No rosto de Cristo, ela, a Esposa, contempla o seu tesouro, a sua alegria [...]. Confortada por essa experiência revigoradora, a Igreja retoma agora o seu caminho para anunciar Cristo ao mundo no início do terceiro milênio: ele é o mesmo ontem, hoje e sempre(Hebr 13, 8)] (n. 28).

UM LUMINOSO AMANHECER

Quem lê esse documento (e é importante relê-lo e meditá-lo muitas vezes!), pode ter inicialmente a impressão de um excesso de otimismo. O Papa fala com tanto entusiasmo do futuro da Igreja! Vê o mundo como um mar aberto diante dos cristãos, imenso, fabuloso, um mar para o qual Cristo acena, enquanto olha para nós e nos lança para ele com mesma palavra de ordem que dirigiu a Pedro, pescador, no mar da Galiléia, após uma noite triste de fracassos: Duc in altum!
Avança para águas mais profundas e lança as tuas redes para a pesca! (Luc 5, 3-4).

Esperança não é ilusão. Otimismo não é fechar os olhos e achar que tudo é azul. O Papa João Paulo II tinha plena consciência da presença abundante do mal no nosso mundo, da grande quantidade de joio, de planta daninha, misturada no meio do bom trigo. Mas não se esquecia de que Jesus, com a parábola do trigo e o joio (cfr. Mat 13e, 24 ss.), quis garantir-nos que haverá trigo e promessa de belas colheitas até o fim do mundo. O pessimista vê o joio. O otimista vê o trigo, e sente a responsabilidade de cuidá-lo, aumentá-lo, estendê-lo, fazê-lo crescer. [O modo como o mal cresce e se desenvolve no terreno sadio do bem – escreve o Papa Wojtyla – constitui um mistério; e mistério é também aquela parte de bem que o mal não conseguiu destruir e que se propaga apesar do mal, e cresce no mesmo terreno [...]. O trigo cresce juntamente com o joio e, vice-versa, o joio com o trigo. A história da humanidade é o palco da coexistência do bem e do mal. Isto significa que, se o mal existe ao lado do bem, então está claro que o bem, ao lado do mal, persevera e cresce].[22].

Da mesma forma, na Carta Mane nobiscum Domine para o Ano da Eucaristia (2005), João Paulo II reafirmava o otimismo da Carta do novo milênio, sem deixar de registrar o fato de que o mal, não só não diminuiu, como até parece ter crescido em vários aspectos, desde que o novo milênio começou.

Evoca nessa Carta as celebrações do Jubileu do ano 2000 e diz: [Sentia que essa ocasião histórica se delineava no horizonte como uma grande graça. Não me iludia, por certo, que uma simples passagem cronológica, ainda que sugestiva, pudesse por si mesma comportar grandes mudanças. Os fatos, infelizmente, se encarregaram de pôr em evidência, depois do início do milênio, uma espécie de crua continuidade dos acontecimentos precedentes e, com freqüência, dos piores dentre esses]. Mas nem por isso deixa de incentivar os cristãos a [testemunhar com mais força a presença de Deus no mundo], e proclama, [mais convencido que nunca], a certeza de que Cristo [está no centro, não apenas da história da Igreja, mas também da história da humanidade] e de que, por isso, só [nele o homem encontra a redenção e a plenitude] [23].

João Paulo II já está com Deus, na vida que não morre mais. Mas a sua esperança continua a ser luz que ilumina os olhos da alma e enche de coragem o coração. O novo Papa Bento XVI sente-se devedor dessa esperança e quer ser o novo porta-voz dela. Na sua primeira mensagem, dirigida na Capela Sixtina aos cardeais que o elegeram, em vinte de abril de 2005, disse: [Tenho a impressão de sentir a mão forte do meu Predecessor, João Paulo II, que estreita a minha. Parece que vejo seus olhos sorridentes e que ouço as suas palavras, dirigidas neste momento particularmente a mim: «Não tenhais medo!».

A bandeira da esperança de João Paulo II continua desfraldada: [Sigamos em frente com esperança], repete-nos. [Diante da Igreja abre-se um novo milênio como um vasto oceano onde se aventurar com a ajuda de Cristo. O Filho de Deus, que se encarnou há dois mil anos por amor do homem, continua também hoje em ação [...]. Agora Cristo, por nós contemplado e amado, convida-nos uma vez mais a pormo-nos a caminho [...], convida-nos a ter o mesmo entusiasmo dos cristãos da primeira hora. Podemos contar com a força do mesmo Espírito que foi derramado no Pentecostes e nos impele hoje a partir de novo sustentados pela esperança, que não nos deixa confundidos (Rom 5, 5)] [24]

No verão de 1997, João Paulo II convidou a passar uns dias com ele, em Castelgandolfo, um casal de amigos poloneses, velhos companheiros na juventude da luta pela fé e a liberdade, Piotr e Teresa Malecki. [O quarto deles , relata George Weigel, ficava mesmo por baixo do seu e, todas as manhãs antes de amanhecer, sabiam pelo baque surdo da sua bengala que já se tinha levantado. Certo dia, na hora do café da manhã, o Papa perguntou-lhes se o barulho os incomodava. Não, responderam, de qualquer forma já tinham de se levantar para a missa. «Mas,Wujek[25] perguntaram, por que você se levanta naquela hora da manhã?»

[Porque, disse Karol Wojtyla, 264º bispo de Roma, gosto de contemplar o amanhecer][26] .

Trecho do livro A força do exemplo, incluído neste site.[27]


 

[1] Cfr. George Weigel, Testemunho da Esperança, Bertrand Editora, Lisboa, 2000, pág. 227

[2] Ed. Planeta, São Paulo 2004, págs. 147-148

[3] Cfr. George Weigel, obra citada, págs. 227, 228 e 337; e Carl Bernstein e Marco Politi, Sua Santidade, Ed. Objetiva, Rio de Janeiro 1996, págs. 383 e 540

[4] Os documentos de João Paulo II (Encíclicas, Exortações apostólicas, Cartas, etc.) podem ser consultados no site www.vatican.va . Há também várias coleções de encíclicas publicadas no Brasil: Encíclicas de João Paulo II, Ed. Paulus, São Paulo 2003;João Paulo II. Encíclicas, Ed. LTr, 3ª edição, São Paulo 2003

[5] João Paulo II, Levantai-vos! Vamos!, citado, pág. 186

[6] Ibid.

[7] Joseph Ratzinger, João Paulo II. Vinte anos na história, Ed. Paulinas, São Paulo 2000, pág. 31

[8]
Levantai-vos! Vamos!, pág. 193

[9] Cfr. George Weigel, obra citada, pág. 582

[10] Revista Nuestro Tiempo, n. 610, abril 2005, págs. 38 e 39

[11]
Levantai-vos! Vamos!, pág. 102

[12]
Memória e identidade, citado, págs. 21 e 55

[13]
Levantai-vos! Vamos!, págs. 76-77

[14] Apêndice de Memória e Identidade, pág. 185

[15] Ver João Paulo II, Memória e Identidade, pág. 15 e ss.

[16] Ver, por exemplo, a citada biografia de George Weigel, Testemunho de esperança

[17] Obra citada, págs. 22-23

[18] Livraria Francisco Alves editora, Rio de Janeiro 1995, págs. 201 ss.

[19] Obra cit., pág. 202

[20]
Testemunha de esperança, cit., pág. 696

[21] Obra cit., págs. 30-33

[22]
Memória e Identidade, já citada, pág. 14

[23] Carta apostólica Mane nobiscum Domine, 07.10.2004, nn. 6 ss.

[24] Carta apostólica Novo millennio ineunte, n. 58

[25] Durante a perseguição comunista, quando fazia excursões com jovens, o padre Woytila, para evitar problemas com a polícia, pedia aos jovens: Não me chamem padre, [me chamem wujek] (tio), frase conhecida de uma célebre epopéia polonesa do escritor Henryk Sienkiewicz.

[26] George Weigel, Testemunha de esperança, citado, pág. 696


 

|