domingo, 31 de janeiro de 2010

Existem razões para apoiar a RCC?

EXISTEM RAZÕES PARA APOIAR A RCC?

Francisco Catão[1]

Pe. João Carlos Almeida[2]

 
 

Pediram-nos que elaborássemos uma apreciação teológica do artigo "Existem razões para não apoiar a RCC?" escrito por José Luiz Gonzaga do Prado e publicado pela Revista Vida Pastoral[3]. O autor é sacerdote, monsenhor da diocese de Guaxupé, em Minas Gerais e além de lecionar teologia bíblica em Ribeirão Preto-SP, acompanha pastoralmente a Paróquia Santa Rita de Cássia em Nova Resende, MG. Publicou pela Editora Paulus o livro "A Bíblia e suas Contradições; como resolvê-las?". É um homem com o carisma de questionar e apaixonado pelas CEB's como "um novo modo de ser Igreja".

O bispo de Guaxupé, Dom José Geraldo Oliveira do Valle, nos informou que o artigo escrito pelo Monsenhor José Luiz não expressa o pensamento da Igreja Local, que tem normas diocesanas aprovadas para a RCC. Disse ainda que as lideranças da RCC na Diocese de Guaxupé estão em perfeita comunhão pastoral por meio da participação nos Conselhos Paroquiais de Pastoral. Além disso o coordenador diocesano da RCC participa ativamente do Conselho Diocesano de Pastoral. O bispo esclareceu que eventuais desvios de um ou outro membro do movimento são resolvidos pontualmente no diálogo e na comunhão. Porém, enquanto bispo, Dom José Geraldo confia nos seus vigários que são responsáveis por parcelas do povo de Deus nas paróquias. Prefere não interferir se um sacerdote resolve tomar uma atitude extrema como o Monsenhor José Luiz de simplesmente não autorizar qualquer atividade da RCC em sua paróquia.

Porém em seu artigo, o Mons. José Luiz não se refere pontualmente à realidade da RCC em sua paróquia ou diocese. O tom do texto é generalizante. Trata-se a RCC como se fosse uma realidade simples e monolítica. Esta parece ser uma primeira imprecisão. O autor não situa suas graves suspeitas no tempo e no espaço. Não relata casos concretos. Apenas enuncia suspeitas genéricas. A falta deste marco referencial sócio-analítico documentado não permite reconhecer o artigo em questão como um texto científico. Serve mais como um desabafo sincero. Neste sentido o texto tem um grande valor para a própria RCC que pode aproveitar a oportunidade para fazer um sério exame de consciência e avançar "para águas mais profundas". As observações do Monsenhor José Luiz certamente estão de acordo com o que muitos sacerdotes pensam ou suspeitam mas não tiveram o trabalho de registrar em texto. O esforço do autor em escrever e publicar suas impressões com sinceridade, podem servir para um início de diálogo, mesmo que tenso e num certo clima de animosidade.

1. Esclarecimento inicial

É preciso esclarecer inicialmente que a pentecostalidade católica é hoje um fenômeno complexo e polissêmico. Façamos algumas distinções importantes. Inicialmente a RCC era entendida lato sensu como uma espiritualidade. O próprio Cardeal Suenens, já nos primórdios do movimento carismático, promoveu um encontro de teólogos em Malines (Bélgica - 1974) onde a RCC foi definida em termos de espiritualidade não institucionalizada[4]. Porém, ao longo destes últimos trinta anos, o crescimento dos grupos de oração, comunidades carismáticas e meios de comunicação carismáticos, levou ao surgimento de uma estrutura mínima para garantir a comunhão interna desta espiritualidade e a comunhão e diálogo com as diversas Igrejas Locais. A isto podemos chamar de Movimento da RCC, que conta com história, bibliografia, lideranças, cronograma, estatuto, sede, plano de ação, etc[5]. Tem visibilidade e responsabilidade. É com as lideranças deste movimento que a CNBB tem dialogado. O problema é que a espiritualidade carismática não está totalmente condicionada aos limites do movimento carismático. Além disso, existem outras expressões que não estão totalmente subordinadas ao movimento. É o caso das emissoras de TV de linha carismática que têm suas lideranças e sua estrutura própria. É o caso também das fraternidades que vão surgindo como Novas Comunidades e que estão em processo de discernimento pela Igreja. Elas têm carisma, estrutura e vida própria. Mas estão inseridas na espiritualidade carismática. Mantém uma certa relação com o Movimento RCC. Existe também uma cultura carismática que emerge da religiosidade popular. Esta é mais ampla e antiga que a própria espiritualidade carismática[6]. Sob as cinzas do catolicismo popular ainda estão as brasas de figuras carismáticas como Antônio Conselheiro, Pe. Cícero Romão Batista, Frei Damião, ou aquela simpática benzedeira do bairro, que também fazia os partos e enterrava os mortos, ainda que misturando à sua fé alguns elementos de superstição. Há toda uma cultura carismático-popular que se confunde com as romarias e procissões, com a devoção aos santos ou com a Festa do Divino. Algumas igrejas eletrônicas evangélicas de franquia estão instrumentalizando com competência administrativa e técnicas modernas de marketing estes valores do catolicismo popular em favor dos seus cofres. Em sua grande maioria são estes os fiéis que a Igreja Católica está aparentemente "perdendo". É esta imensa massa de católicos ditos "não-praticantes" que são atingidos pelo discurso carismático, principalmente por meio da TV, que não pede autorização nem sequer para entrar na paróquia do Monsenhor José Luiz. Este fiel "reconvertido" pela TV vai à missa em sua comunidade local e espera que o pároco reze "como aquele padre da TV" . Mas muitas vezes encontra um discurso racionalista e frio e uma liturgia sem o mínimo de ritmo ou beleza. Esta é uma boa razão para que se apóie um grupo local, visível, do Movimento da RCC, com o qual se possa ter um diálogo franco e aberto a fim de pastorear estas ovelhas que voltam para o redil e que precisam reconhecer a voz do seu pastor, promovendo  o permanente e sadio discernimento. Certamente esta voz pastoral deverá estar em sintonia com  a voz do Bom Pastor, que se expressa sempre na comunhão da Igreja Local e não simplesmente nos escrúpulos da consciência individual.

 
 

2. As razões do autor

O título do artigo é instigante: "Existem razões para não apoiar a RCC?" A publicação em uma revista de circulação nacional tem dado grande notoriedade e repercussão para o texto que é lido por alguns padres em seus sermões e copiado em informativos paroquiais de modo simplesmente acrítico. O autor procura, "mesmo que nunca tenha sido questionado", expor as razões que o levam a desautorizar todas as atividades da Renovação Carismática Católica, embora confesse que "gostaria de que alguém o convencesse do contrário, com razões sérias e objetivas, não de mera conveniência ou oportunismo". Acrescenta ainda: "Terei o maior prazer em ver minha posição corrigida, especialmente se isso for feito por pessoas competentes nas áreas de psicologia e ou parapsicologia".

Sua posição se apóia na alegação de que as atividades promovidas pela RCC assemelham-se a desequilíbrios psíquicos observados em diversas manifestações religiosas, inclusive na comunidade cristã através dos séculos, desde a primeira antiguidade. No candomblé e na RCC, observa, verificam-se fenômenos do tipo do "transe hipnótico coletivo, provocados pelo clima emocional, pela música, pela dança e, especialmente, pelo ritmo". Mesmo que não se chegue a tanto, acrescenta: "não podemos negar que [o que se passa na RCC] é uma explosão do emocional a impedir qualquer raciocínio razoável, racional e lógico. Não me sinto capaz de ver nisso, conclui, uma manifestação de Deus"[7].

Colocado o princípio, o autor passa a catalogar como expressões desse comportamento, diversas práticas admitidas ou até estimuladas oficialmente pela RCC: curas e conversões; várias incoerências no que respeita as oposições Espírito – moralismo farisaico, Deus carrasco – demônio, espírito – fundamentalismo bíblico, curandeirismo cristão – curandeirismo popular, concepção dinâmica de cristandade – cristandade sem projeto pastoral e, por último, o contraste, em Lucas, da oposição entre a insistência na oração e a presença do Espírito em toda a vida. Finalmente o autor denuncia a alienação, que leva a RCC a priorizar o maravilhoso que distrai do corriqueiro, esvazia a prática cristã do dia a dia, desvia o pensamento do mundo e de seus contrastes e insiste no extramundano, alimentando uma visão mágica de todo o cristianismo.

Procuramos profissionais competentes na área de psicologia que pudessem nos ajudar a avaliar a suspeita de que a dinâmica carismática na verdade é uma espécie de transe coletivo. Encontramos uma tese de doutorado na  área de Ciências da Religião, elaborada pela psicóloga Rosileny Alves dos Santos e defendida recentemente na Universidade Metodista de São Paulo: "Entre a razão e o êxtase; Experiência religiosa e estados alterados de consciência"[8] Segundo esta pesquisadora interdisciplinar, o êxtase não é transe: "Qual é a diferença entre transe e êxtase? Essa diferença dá-se no nível da consciência. No êxtase, as pessoas não perdem o contato com a realidade. Não perdem a vigilância. Mas durante o transe não há registro consciente. Não há memória. Transe em sentido médico geral quer dizer 'estado de dissociação, caracterizado pela falta de movimento voluntário e, freqüentemente, por automatismo de ato e pensamento, representado pelos estados hipnóticos e mediúnicos. Transe pode compreender dissociação mental ou apenas parcial e é, freqüentemente, acompanhado de visões excitantes ou 'alucinações', cujo conteúdo nem sempre é lembrado subseqüentemente de maneira tão clara'"[9]. A leitura da pesquisa ampla e profunda desta autora nos permite perceber que o que ocorre na RCC é êxtase religioso e está bastante distante do transe ou da hipnose coletiva.

3. Contraste com a posição oficial da CNBB

A enorme repercussão do artigo faz com que ele pareça uma palavra inédita e definitiva. Porém, é preciso lembrar que a própria CNBB já se manifestou a este respeito em 1994 com a publicação do Documento 53: "Orientações Pastorais para a RCC"[10]. O texto lembra o direito à liberdade associativa dos fiéis reconhecida e garantida pelo Direito Canônico[11]. Diz ainda:  "Reconhecendo-se a presença da RCC em muitas Dioceses e também a contribuição que tem trazido à Igreja no Brasil, é preciso estabelecer o diálogo fraterno no seio da comunidade eclesial, apoiando o sadio pluralismo, acolhendo a diversidade de carismas e corrigindo o que for necessário. Nenhum grupo na Igreja deve subestimar outros grupos diferentes, julgando-se ser o único autenticamente cristão."[12] Portanto a RCC tem legitimidade em nosso cenário pastoral. O mesmo documento chega a afirmar: "Os Bispos e os párocos procurem dar acompanhamento à RCC diretamente ou através de pessoas capacitadas para isso. Por sua vez, a RCC aceite as orientações e colabore com as pessoas encarregadas desse acompanhamento. Deve-se também reconhecer a legitimidade de encontros e reuniões específicos da RCC, nos quais seus membros buscam aprofundar sua espiritualidade e métodos próprios, dentro da doutrina da fé e da grande comunhão da Igreja Católica."[13] Estas e outras diretrizes emanadas do episcopado brasileiro têm sido utilizadas pelas RCC e pelos bispos nas diversas Igrejas Locais como instrumento de diálogo e comunhão. Isto acontece também na Diocese de Guaxupé onde existem normas diocesanas para a RCC. Mas parece que o Monsenhor José Luiz não está em comunhão com as normas de sua própria diocese. Coloca a consciência individual acima da comunhão eclesial. Isto merece uma séria reflexão.

4. O argumento de consciência

Logo no início de seu artigo o autor afirma que "em consciência" não pode permitir nenhuma atividade característica da RCC em sua paróquia. Afirma que estaria até mesmo pecando se permitisse. É estranho que um sacerdote das CEB's, tão sensíveis à eclesiologia de comunhão, utilize um argumento tão individualista e conservador, que serviu tantas vezes de fundamento para toda forma de totalitarismo e absolutismo. Diante deste argumento fecha-se qualquer possibilidade de colegialidade. Não há mais possibilidade de diálogo. O que pensar, por exemplo, da consciência dos paroquianos que se sentem chamados a viver a espiritualidade carismática? O respeito à consciência do pároco poderia levar ao desrespeito da consciência nos paroquianos? E se estes disserem que se não promoverem um grupo de oração carismático estarão pecando contra o chamado que Deus lhes fez e que foi ouvido em sua consciência? Estaria criado o impasse e eliminado o conceito de consciência recíproca que torna possíveis os laços de comunhão. Sabemos, porém que a consciência individual não pode ser a última instância da verdade. Seria o reinado do individualismo mais crasso. Certamente que a consciência é um sacrário onde habita Deus[14], porém existem realidades objetivas e externas que ajudam a formar a reta consciência. Conforme explicita a Encíclica Veritatis Splendor: "O juízo da consciência não estabelece a lei, mas atesta a autoridade da lei natural e da razão prática face ao bem supremo, do qual a pessoa humana se sente atraída e acolhe os mandamentos: A consciência não é uma fonte autônoma e exclusiva para decidir o que é bom e o que é mau; pelo contrário, nela está inscrito profundamente um princípio de obediência relacionado com a norma objetiva, que fundamenta e condiciona a conformidade das suas decisões com os mandamentos e as proibições que estão na base do comportamento humano."[15] Deste princípio podemos concluir que "no juízo prático da consciência, que impõe à pessoa a obrigação de cumprir um determinado ato, revela-se o vínculo da liberdade com a verdade. Precisamente por isso a consciência se exprime com atos de 'juízo' que refletem a verdade do bem, e não com 'decisões' arbitrárias. E a maturidade e responsabilidade daqueles juízos — e, em definitivo, do homem que é o seu sujeito — medem-se, não pela libertação da consciência da verdade objetiva em favor de uma suposta autonomia das próprias decisões, mas, ao contrário, por uma procura insistente da verdade deixando-se guiar por ela no agir."[16]

 O cristianismo é essencialmente comunitário. Neste sentido é interessante que o Monsenhor José Luiz deixe uma porta aberta ao diálogo quando afirma que gostaria que alguém o convencesse do contrário. Além disso, enumera uma série de razões que fundamentam sua objeção à RCC. Pede o parecer de psicólogos e parapsicólogos. Esperamos que o parecer de teólogos também possa ajudar a ver a verdade de outros pontos de vista pois, afinal, a verdade nos libertará e educará nossa reta consciência para a elaboração do juízo correto[17].

 
 

 
 

5. Vícios de pensamento

Vejamos as razões pelas quais o biblista Pe. José Luiz Gonzaga do Prado, pretende desautorizar qualquer atividade da RCC, por não serem senão, segundo sua opinião, do ponto de vista psicológico e parapsicológico, explosões do emocional, destituídas de qualquer racionalidade. Estamos aqui diante de dois vícios graves do pensamento.

5.1. Rejeição do emocional

Primeiro, do ponto de vista antropológico. O autor demonstra uma inaceitável rejeição do emocional em toda experiência humana, fruto, a nosso ver, do racionalismo característico das ciências na modernidade e que é hoje cada vez mais reconhecido como incapaz de dar conta de toda a riqueza do ser humano, da sociedade e do universo. Não se pode fugir ao grave problema trazido para o cristianismo pelo advento da modernidade, que é, no fundo, a questão de Deus, como muito bem o viu o Vaticano II na Gaudium et spes  e que está longe de ser resolvido na prática pastoral, em que se constata uma oposição latente entre o encontro pessoal com Cristo, vivido na intimidade da ação imanente, da oração, e o encontro com Cristo no pobre, vivido no compromisso e na ação transitiva. O dualismo entre razão e emoção aqui manifestado é um sintoma antropológico característico do racionalismo da modernidade que não sabe como unir emoção e razão, amor de Deus e amor ao próximo, por ter perdido o contato radical com a raiz da totalidade do ser, a que denominamos Deus.

5.2. Desconhecimento da ação de Deus na história

Em segundo lugar, e diretamente vinculado à perspectiva pastoral, o vício do aparente desconhecimento, da ação de Deus no mundo e na vida dos humanos, através de sua Palavra e de seu Espírito. Assim como a Palavra se encarnou e pessoalmente viveu a mais significativa experiência humana, com uma sensibilidade superior a tudo que podemos imaginar, também o Espírito está presente no íntimo de cada um de nós e na comunidade humana que diz sim a Deus, envolvendo toda a nossa sensibilidade e nos fazendo, pessoal e comunitariamente, viver como seres humanos, cheios de emoção, a experiência de Deus, no encontro pessoal com Jesus, na comunidade, no Espírito. O reconhecimento do papel primordial da experiência humana, vivida com toda a emoção, na raiz do conhecimento de Deus é dado fundamental do Vaticano II, que está na base da renovação pastoral da evangelização e da catequese na Igreja. Este dado foi relembrado pela Dei Verbum e o Catecismo da Igreja Católica (nº 150) o soube resgatar, ao dizer que a fé é, antes de tudo, adesão pessoal a Deus e em segundo lugar, inseparavelmente, do ponto de vista antropológico, é claro, acolhimento da verdade revelada.

5.3. Reducionismo psicológico

No nosso entender, não podemos deixar de denunciar, na base desses dois vícios metodológicos, riscos ainda mais graves, que ferem a própria fé, de emitir juízos de avaliação pastoral, com base, unicamente, na maneira, geralmente limitada e defeituosa de entender os comportamentos humanos, psicológicos e sociais. O que é certo é que a ação da Palavra e do Espírito nos prepara progressivamente para viver em comunidade na luz e no amor de Deus, mas que, como o ensina a história, aqui na terra, em que somos peregrinos, as riquezas ainda que desequilibradas da nossa psicologia e os conflitos da vida em sociedade, longe de serem contrariados, precisam ser assumidos com realismo e humildade, pois desempenham um papel purificador e redentor insubstituível, como se pode ver pelo exemplo de Jesus que foi plenamente humano e viveu de maneira encarnada e real, todos os limites do ser humano, inclusive quando rejeitado pelos mestres em Israel, tendo fracassado em sua pregação social e, finalmente, abandonado pelo Pai na agonia e na cruz.

Não é verdade que o emocional tolda completamente a razão nem, muito menos, que suprime a liberdade. A precariedade da condição existencial do ser humano na terra, como pessoas e como comunidades não justifica a orgulhosa pretensão racionalista de que, aos olhos de Deus só tenha valor o que é racional e lógico. Até pelo contrário, não são os sábios desse mundo que têm acesso à sabedoria de Deus, como bem o percebera o apóstolo Paulo, nem os sadios que são visitados pelo médico celestial, mas as Madalenas, os Zaqueus, os Cornélios e as humildes viúvas do Evangelho, aqueles cujo coração arde no encontro com Jesus, os que se deixam emocionar até as lágrimas como o próprio Jesus no túmulo de seu amigo Lázaro, estes são os que vivem na intimidade do Pai e são testemunhas do seu Espírito.

6. Auto-crítica da RCC

Há um grande caminho de discernimento a ser percorrido pela RCC, para cumprir sua vocação renovadora. Na medida em que se constituir como um movimento centrado nos carismas, terá sempre o risco de se envolver com o secundário e com o periférico, em lugar de dar absoluta prioridade ao Espírito que santifica. O serviço que como teólogos somos chamados a prestar à RCC, é levá-la a compreender que é chamada a ser, desde suas origens, há quase quarenta anos, um instrumento de renovação no Espírito, no amor e na santidade, da comunidade cristã trazendo permanentemente a memória viva de Pentecostes[18]. Sua grande tentação é de sobrepor os carismas ao amor, em clara oposição à doutrina da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios. A RCC, assim como qualquer modo de ser Igreja, deve evitar toda forma de presunção carismática, conforme a advertência do próprio Concílio Vaticano II[19]. É preciso ainda exercitar permanentemente o dom do discernimento unido à virtude cardeal da prudência, no sentido clássico de recta ratio agibilium[20], sem que isso signifique qualquer forma de amortecimento do fogo do Espírito ou de perda da espontaneidade própria do estilo carismático. Com este exercício permanente se evitará que a oração de cura se transforme em prática de curandeirismo[21]; o fanatismo e o fundamentalismo bíblico serão evitados[22]; o eventual moralismo farisaico e a visão distorcida de Deus pelo exagero do poder do mal serão inteligentemente superados[23]; será superada também uma possível auto-centração no movimento em busca da comunhão com a comunidade local por meio dos diversos organismos de participação e de organização pastoral, sem com isso perder sua identidade, o que empobreceria a Igreja-comunhão; serão fortalecidas as iniciativas de promoção humana e solidariedade com os pobres, segundo as orientações da Doutrina Social da Igreja e de acordo com as propostas do episcopado latino-americano e das "Diretrizes gerais da ação evangelizadora na Igreja no Brasil"[24]. Sobre esta última questão é preciso desfazer o mito de que os carismáticos não têm sensibilidade social. É notório em todo o Brasil que se multiplicam dia após dia as iniciativas carismáticas de solidariedade. É certo que este não é um esforço retórico, mas prático. A RCC poderia desenvolver mais uma linguagem neste sentido, por exemplo, nas letras de suas canções, sem que com isso precisasse copiar o sotaque de outros movimentos sociais e de Igreja que já possuem uma retórica da libertação. Mas convenhamos, principalmente neste campo os frutos falam mais alto do que as palavras. O mesmo se diga do envolvimento dos carismáticos na política. Não se iluda quem ainda imagina que seja um envolvimento corporativista, fisiológico ou ingênuo. A qualidade política e social da RCC avança a olhos vistos. O mesmo se diga em relação aos ministérios leigos e ordenados. Por que será que as vocações aumentam nos meios carismáticos e diminuem em outras expressões de Igreja? Não podemos utilizar novamente o refrão viciado da hipnose coletiva, ou da alienação.

7. O sonho da Unidade

A RCC certamente não é uma sociedade perfeita e deve ser submetida a críticas e suspeitas que promovam a necessária e salutar correção fraterna, todavia, excluí-la pastoralmente da Igreja institucional é uma atitude no mínimo ímpia, senão contrária à unidade da Igreja e, além disso, pouco inteligente. Faz pensar naqueles letrados que acusavam Jesus de expulsar demônios em nome de Belzebu, acusação que deu a Jesus a oportunidade de mostrar sua ignorância, pois não é concebível que satanás combata a si mesmo. Precisamos tomar cuidado para não pecar pastoralmente contra o Espírito Santo, como lembra o evangelista nesse contexto, pois é um pecado que não tem perdão… (cf. Mc 3, 22-29).

Sobre a autenticidade do estilo carismático de ser cristão não é preciso dizer muito mais do que aquilo que Paulo diz em suas cartas especialmente à comunidade carismática de Corinto. Parece que existiam mesmo nas comunidades pagãs, pré-paulinas, alguns fenômenos em que se misturava a glossolalia com o transe coletivo. Isto foi duramente criticado pelo apóstolo. É preciso rezar também com a inteligência (1Cor 14,15.39). O Espírito não demite nossa consciência nem ignora a liberdade humana. Deus nos fez livres e não podemos ser santos senão no exercício desta liberdade. O transe e a hipnose, portanto, negam a ação do Espírito. Desde os seus primórdios no Brasil a RCC foi escrupulosa em relação a isso. Nunca foi admitida nenhuma dinâmica nos grupos de oração que pudesse se aproximar de uma espécie de "estado alterado de consciência". A este respeito há muito que pesquisar em relação ao controvertido fenômeno do "Repouso no Espírito". Pode existir, como testemunham os grandes santos, uma espécie de êxtase, sem que isso signifique transe. Se a dinâmica de oração carismática em algum lugar ultrapassar o êxtase e chegar ao transe, este grupo deverá ser seriamente advertido pelos responsáveis na Igreja Local. Mas não nos parece que esta crítica seja verdadeira na RCC como um todo. Os erros que existem são pontuais e têm recebido correção fraterna dos próprios líderes da RCC.

Finalmente, sobre a comparação das celebrações carismáticas com as práticas do candomblé, deveríamos ter um pouco mais de cuidado e respeito. Deveríamos conhecer melhor as bases do candomblé antes de fazer uma crítica simplista aos seus ritos. É uma religião de origem animista, pré-cristã, em fase de encontro e diálogo com a fé cristã. Isto merece respeito e acolhida em clima de diálogo inter-religioso. Aliás, seria ótimo se tivéssemos sempre uma atitude mais ecumênica não só entre cristãos, mas entre os diversos modos de ser católico. Talvez RCC e CEB's descobrissem com isso maiores laços de fraternidade e de comunhão. Esta seria uma ótima forma de celebrar a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos e colocar em prática o sonho de Jesus: Que sejam um, para que o mundo creia! (cf. Jo 17, 21-23)


 


 

[1] FRANCISCO AUGUSTO CARMIL CATÃO, 76, é doutor em Teologia pela Universidade de Strasbourg, atualmente professor de Teologia Sistemática e Espiritual no Instituto Pio XI, dos padres salesianos em São Paulo, e membro do Conselho Editorial de Paulinas. Endereço: cataof@ig.com.br

[2] JOÃO CARLOS ALMEIDA, 40, é sacerdote da Congregação dos padres do Sagrado Coração de Jesus, mestre em Teologia sistemática pelo ISI-BH, diretor geral e professor Liturgia e Teologia Sistemática da Faculdade Dehoniana, em Taubaté-SP, e doutorando em teologia pela UniFAI-SP e em Educação, pela USP. É o assessor teológico da RCC-BRASIL. Endereço: dir.geral.dh@uol.com.br

[3] Gonzaga do Prado, José Luiz. Há razões para não apoiar a RCC? em Vida Pastoral 45 (jan/fev 2004), nº 234, pp.20-26.

[4]
Cf. VVAA, Orientações Teológicas e Pastorais da Renovação Carismática Católica. Loyola: São Paulo, 1979, 3ª edição. O texto final tem a colaboração de teólogos de peso como Heribert Mühlen, Yves Congar, René Laurentin e Joseph Ratzinger.

[5] Para um conhecimento mais próximo da estrutura da RCC no Brasil e no mundo será útil fazer uma visita ao site http://www.rccbrasil.org.br  e para conhecer a estrutura internacional do movimento e http://www.iccrs.org

[6] Para entender melhor o fenômeno carismático seria necessário retormar os estudos históricos a respeito do catolicismo popular. Um início de pesquisa pode ser encontrado em REB volume 36, Fascículo 141 (março/1976), com artigos interessantes de J. B. Libanio, R. Azzi, A. Antoniazzi e P. de Oliveira.

[7]
A RCC se preocupou com a questão da diferença entre êxtase religioso e transe coletivo desde os seus primórdios. Já na década de setenta era traduzido no Brasil o opúsculo: C. ALDUNATE, Carisma, Ciência e espíritos, Loyola: São Paulo, 1977. Este livro procura a contribuição da psicologia e da parapsicologia para discernir o êxtase religioso que ocorre nos encontros carismáticos. Mais tarde um grupo de profissionais católicos reuniu-se para debater a mesma questão. Suas conclusões estão publicadas em A. L. VELLOSO, Técnicas do poder da mente e a salvação; solução ou desafio para a fé? Loyola: São Paulo, 1991, 3ª ed.

[8]
A autora defendeu a tese no dia 18 de abril de 2004 e está encaminhando a publicação do texto.

[9] Ioan M. Lewis, Êxtase religioso – Um estudo antropológico da possessão por espírito e do xamanismo, São Paulo: Editora Perspectiva, 19777, pág. 41. No mesmo contexto a autora cita o interessante estudo: Mircea Eliade, O xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase, Mantins Fontes: São Paulo, 1998. In: Rosileny Alves dos Santos, Entre a razão e o êxtase; experiência religiosa e estados alterados de consciência, São Bernardo do Campo, fevereiro de 2004. Tese apresentada em cumprimento às exigências do programa de Pós-graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de doutor na Universidade Metodista de São Paulo. Pág. 37.

[10]
Este documento foi o resultado de um amplo trabalho de consulta às bases que resultou em um texto apreciado pelo episcopado brasileiro na 32ª Assembléia Geral da CNBB, em abril de 1994. Após a assembléia o texto foi ainda mais estudado e aprovado pela 34ª Reunião Ordinária do Conselho Permanente, em novembro de 1994. Sobre o conteúdo teológico do documento cf. F.Catão, Carismáticos, um sopro de renovação. São Paulo: Ed. Salesiana, 1995.

[11] Documento 53 da CNBB, nº 18. Na seqüência o texto refere-se ao Papa João Paulo II que, na sua Exortação Apostólica Christifideles Laici (n. 30), aponta critérios fundamentais para o discernimento de toda e qualquer associação dos fiéis leigos na Igreja, que podem ser aplicados a todos os grupos eclesiais.

[12]
Ibidem, nº 19-20.

[13]
Ibidem, nº 23.25

[14]
Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes nº 16: "Na intimidade da consciência, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar e fazer o bem e evitar o mal, no momento oportuno a voz desta lei lhe soa nos ouvidos do coração: faze isto, evita aquilo. De fato o homem tem uma lei escrita por Deus no seu coração. Obedecer a ela é a própria dignidade do homem, que será julgado de acordo com esta lei".

[15]
JOÃO PAULO II, Encíclica Veritatis splendor, 1993, nº 60.

[16]
Ibidem nº 61.

[17]
Sobre este clássico texto do Evangelho de João (8,32) é muito interessante o comentário teológico de G. GUTIÉRREZ, A verdade vos libertará; confrontos, Loyola: São Paulo, 2000. Tradução do original publicado em Lima, Peru, em 1990. Aprofundamos alguns aspectos soteriológicos  desta questão em J. C. ALMEIDA, Livres para amar; o conceito de salvação em Gustavo Gutiérrez, São Paulo: Loyola, 1999.

[18]
Isto tem sido feito sistematicamente desde a década de setenta. Um livro marcante e bem documentado neste sentido é: OLIVEIRA, Pedro A; BOFF, Leonardo; LIBANIO, J. B.; BETTENCOURT, Estevão. Renovação Carismática Católica. Uma análise sociológica. Interpretações teológicas. Vozes/INP/CERIS: Petrópolis, 1978. Há também a tentativa de sistematização teológica da espiritualidade carismática feita por H. MÜHLEN, Fé cristã renovada: carisma, Espírito, libertação. São Paulo: Loyola, 1980. Mais recente é o ótimo artigo de Clodovis BOFF, Carismáticos e libertadores na Igreja. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis: Vozes, v. 54. nº 237 (março/2000). É preciso indicar o esforço acadêmico de compreensão sociológica do fenômeno carismático feito por: Ricardo MARIANO, Neopentecostais. Petrópolis: Vozes, 1999. Reginaldo PRANDI, Um sopro do Espírito: a renovação conservadora do catolicismo carismático. São Paulo: EDUSP & FAPESP, 1998. 2ª EDIÇÃO. Brenda CARRANZA, Renovação Carismática Católica: origens, mudanças e tendências. Editora Santuário: Aparecida, 2000. Do seio da própria RCC poderíamos indicar alguma bibliografia que já faz esta auto-crítica: B. JUANES, O que é renovação carismática? Loyola: São Paulo, 1994. RCC, A identidade da renovação carismática católica, FUNDEC: São José dos Campos: s/d.; RCC, Movimentos Eclesiais. Dom do Espírito, esperança para a humanidade. Santuário: Aparecida, 1999. A. PEDRINI, Carismas para o nosso tempo. Reflexão teológico-pastoral. São Paulo: Loyola, 1994.

[19] Os carismas devem ser recebidos com gratidão e consolação. E não devem ser temerariamente pedidos nem se ter a presunção de possuí-los (cf. LG, 12). Citado no Documento 53 da CNBB, nº 56.

[20]
Cf. Santo Tomás de AQUINO, Summa Theologica I-II, q. 57 a. 4,3.

[21] Sobre esta questão cf.: CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução sobre orações para alcançar de Deus a cura. São Paulo: Paulinas, 2000. É fundamental também seguir as orientações oficiais da CNBB que estão no Documento 53, nº 58-61.

[22] Sobre isso já falava o Cardeal Suenens no início dos anos setenta: op.cit., pág. 49-50.

[23] Cf. as orientações a este respeito no Doc. 53 da CNBB, nº 66-68.

[24] Cf. Documento 71 da CNBB.

sábado, 16 de janeiro de 2010

ENCONTRO PARA MINISTÉRIOS

UNIDOS PELA TUA PALAVRA, RECONSTRUIREMOS AS MURALHAS

LER A BÍBLIA A PARTIR DE CRISTO

I – INTRODUÇÃO

A Força da Palavra de Deus quando lida sob a ótica de Cristo. Com esta frase poderíamos resumir o que vai dito nesta reflexão.

Cristo é a Palavra do Pai Encarnada. Somente olhando Sua Vida e Seus Ensinamentos é que o evangelizador atual terá condições de anunciar o Evangelho na Força do Espírito e com Poder. Para fazer isso, o homem precisa estar cheio da Graça de Deus e deixar-se transformar pela Força da Caridade que atua no Coração de Jesus.

A Igreja precisa de homens e mulheres que, cheios do Espírito Santo, anunciem o Evangelho com Poder, muito mais com atitudes novas do que, por palavras inspiradas.



II – O APREÇO DA IGREJA PELA PALAVRA DE DEUS



"Ignorar as Escrituras é ignorar Jesus Cristo", assim falava São Jerônimo. Esta frase revela o grande apreço que a Igreja sempre nutriu com relação à Palavra de Deus ao longo da História o que vem desconstruir a injustiça das acusações falsas de que a Igreja teria abandonado a Palavra de Deus em função de sua Doutrina. A Teologia brota da palavra de Deus é este o pensamento dos Bispos reunidos no Sínodo sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja quando demonstram a centralidade da Bíblia ao longo dos séculos de História na Teologia, na vida e na Catequese Católica.



Assim, no tempo dos Padres, a Escritura é o centro, como que a fonte donde se nutrem a teologia, a espiritualidade e a vida pastoral. Os Padres são os mestres insuperáveis daquela leitura 'espiritual' da Escritura, que, quando é genuína, não é destruição da 'letra', ou seja, de um saudável sentido histórico, mas é capacidade de ler no Espírito também a letra. Na Idade Média, a Sagrada Página constitui a base da reflexão teológica; para poder compreendê-la, elabora-se a doutrina dos quatro sentidos (letra, alegoria, tropologia, anagogia); na linha de uma antiga tradição, a Lectio Divina constitui a forma monástica da oração; é fonte para a inspiração artística; transmite-se ao povo nas múltiplas formas da pregação e da piedade popular. Na Idade Moderna, o afirmar-se do espírito crítico, o progresso científico, a divisão dos cristãos e o subseqüente empenho ecumênico, estimulam, não sem dificuldades e contrastes, uma mais correta metodologia de abordagem e, ao mesmo tempo, uma melhor compreensão do mistério da Escritura no seio da Tradição. Nos nossos dias, temos o projeto de renovação, baseado na centralidade da Palavra de Deus, de que foi o grande artífice o Concílio Vaticano II.



O mesmo Documento irá revelar que a Igreja se alimenta da Palavra de Deus de quatro maneiras:

  1. Na liturgia e na oração;
  2. Na evangelização e na catequese;
  3. Na exegese e na Teologia;
  4. Na vida do fiel.

Portanto, a Bíblia ocupa lugar central na Igreja e na vida do Católico. Ela é como a nascente de todas as águas e a direção que aponta é sempre Cristo e o Seu Projeto de amor.

A Dei Verbum apresenta com muita clareza o apreço da Igreja pela Palavra de Deus quando diz:



A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo. Sempre as considerou, e continua a considerar, juntamente com a sagrada Tradição, como regra suprema da sua fé; elas, com efeito, inspiradas como são por Deus, e exaradas por escrito duma vez para sempre, continuam a dar-nos imutavelmente a palavra do próprio Deus, e fazem ouvir a voz do Espírito Santo através das palavras dos profetas e dos Apóstolos. É preciso, pois, que toda a pregação eclesiástica, assim como a própria religião cristã, seja alimentada e regida pela Sagrada Escritura. Com efeito, nos livros sagrados, o Pai que está nos céus vem amorosamente ao encontro de Seus filhos, a conversar com eles; e é tão grande a força e a virtude da palavra de Deus que se torna o apoio vigoroso da Igreja, solidez da fé para os filhos da Igreja, alimento da alma, fonte pura e perene de vida espiritual. Por isso se devem aplicar por excelência à Sagrada Escritura as palavras: «A palavra de Deus é viva e eficaz» (Hebr. 4,12), «capaz de edificar e dar a herança a todos os santificados», (Act. 20,32; cfr. 1 Tess. 2,13).

Dito isso, fica clara a posição da Igreja Católica no tocante ao crer que a Bíblia é a Palavra de Deus e ao ensinar aos fiéis esta proposição de Fé. Ademais, a Instrução Geral do Missal Romano nos faz enxergar a íntima relação que há entre o Cristo que fala e a Palavra que é lida a cada liturgia. Assim se expressa o Documento: "Quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura, é o próprio Deus quem fala ao seu povo, é Cristo, presente na sua palavra, quem anuncia o Evangelho." E ainda:



A parte principal da liturgia da palavra é constituída pelas leituras da Sagrada Escritura com os cânticos intercalares. São seu desenvolvimento e conclusão a homilia, a profissão de fé e a oração universal ou oração dos fiéis. Nas leituras, comentadas pela homilia, Deus fala ao seu povo, revela-lhe o mistério da redenção e salvação e oferece-lhe o alimento espiritual. Pela sua palavra, o próprio Cristo está presente no meio dos fiéis. O povo faz sua esta palavra divina com o silêncio e com os cânticos e a ela adere com a profissão de fé. Assim alimentado, eleva a Deus as suas preces na oração universal pelas necessidades de toda a Igreja e pela salvação do mundo inteiro.



Crer com a Igreja e na Igreja é o mesmo que crer na Bíblia. Isso explica a frase inicial deste tópico. O trabalho de Evangelização que não considerar a Palavra de Deus como norma fundamental da vida do cristão e alicerce da caminhada tenderá ao fracasso. É ela que determina o caminhar e o agir do cristão. Sem a Bíblia, a vida perde o rumo e a experiência com Deus torna-se vazia.

A Carta aos Hebreus nos traz uma definição da Bíblia que é impressionante. Ela diz: "A palavra de Deus é viva, é realizadora, mais afiada do que toda a espada de dois gumes: ela penetra até onde se dividem a vida do corpo e a do espírito, as articulações e as medulas e é capaz de distinguir as intenções e os pensamentos do coração".

Somente no Poder da Palavra de Deus é que o homem de Deus pode ser formado em justiça e santidade. Sem essa centralidade, não há como ter um cristianimo vivo e capaz de formar o homem novo que a sociedade precisa enxergar. Mas, por meio dela, é possível apresentar novas propostas e ideais diante de uma sociedade corrompida e corruptora.

Alguém, no passado, se expressou sobre a nossa época como um tempo em que se fazem necessários novos modelos, pois, os que existem já foram ultrapassados. Pois bem, o único modelo que Deus colocou em nossas mãos está impresso nos livros sagrados. Ouvir a Palavra do Senhor com o coração aberto, desejoso de aprender e de aplicar os princípios divinos na vida é a única forma de ser vitorioso nestes novos tempos.

A Parhesia que a Igreja precisa, não pode brotar de belos ideais mas, é expressão concreta de uma vivência pessoal com aquilo que o Senhor nos Revelou.

Somos devedores de uma Revelação e não podemos ser omissos. A Palavra de Deus é viva e eficaz e precisamos assumir nosso compromisso ao escutá-la com devoção e amor ao Senhor.



III – CRISTO EXPERIMENTADO NA FÉ É A PALAVRA DO PAI PARA NÓS



Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, falou-nos Deus nestes nossos dias, que são os últimos, através de Seu Filho (Heb. 1, 1-2). Com efeito, enviou o Seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina todos os homens, para habitar entre os homens e manifestar-lhes a vida íntima de Deus (cfr. Jo. 1, 1-18). Jesus Cristo, Verbo feito carne, enviado «como homem para os homens» , «fala, portanto, as palavras de Deus» (Jo. 3,34) e consuma a obra de salvação que o Pai lhe mandou realizar (cfr. Jo. 5,36; 17,4). Por isso, Ele, vê-lo a Ele é ver o Pai (cfr. Jo. 14,9), com toda a sua presença e manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, sinais e milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição, enfim, com o envio do Espírito de verdade, completa totalmente e confirma com o testemunho divino a revelação, a saber, que Deus está connosco para nos libertar das trevas do pecado e da morte e para nos ressuscitar para a vida eterna.



São João inicia o seu Evangelho apresentando Jesus como o VERBO. "No Princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus... E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós."

A Palavra de Deus é ação, é dinamismo, é Jesus Cristo. O Pai, não fala apenas. Sua voz é um ato que se chama Encarnação do Filho. Quando Deus fala, o Filho se encarna. Quando o homem, portanto, ouve a voz de Deus, Jesus torna-se carne em sua carne. É um milagre, por isso que, em cada Missa, quando o Sacerdote pronuncia as Sagradas Palavras, Cristo se faz pão e o pão se transforma no Corpo e Sangue de Cristo. Do mesmo modo, na Santa Missa e em todos os outros momentos de Fé, sempre que se escuta a Palavra de Deus, o próprio Deus, em Jesus Cristo, se faz realidade na vida daquele que escuta. Portanto, escutar a Bíblia não é um ato passivo nem algo produzido apenas pelo homem. É o próprio Espírito de Deus que vem ao intelecto do homem a fim de que, as palavras escutadas gerem a certeza da presença de Cristo em todo o ser do ouvinte. Isso explica o fato de que, sempre que lemos determinado trecho da Palavra de Deus é como se ele fosse atual, plenamente aplicável à realidade vivenciada. De outro modo, mesmo que se escute diversas vezes o mesmo trecho da Sagrada Palavra, a cada vez o Espírito dará uma nova clareza sobre algum aspecto que coaduna com a experiência do homem que crê e escuta o Senhor.

Não se pode, portanto, pretender viver os princípios da Bíblia sem considerar a necessária experiência do Cristo. Viver a Palavra de Deus é, sobretudo, conhecer Jesus e segui-lo. Fora dessa dinâmica, a Bíblia se torna pretexto para exclusão do outro, preconceito e mecanismo de fuga, segundo a linguagem psicanalítica. Não é difícil comprovar essa preposição uma vez que, a história passada e presente elenca uma série de conflitos baseados em trechos sagrados interpretados fora do contexto em que fora produzido e sem as devidas luzes sob as quais foram produzidos.

A luz que iluminou cada hagiógrafo fora Cristo. Intuindo a presença do Senhor e a Sua Manifestação ao Mundo quer sob a forma do envio do Messias Prometido, quer mirando o Mistério da Encarnação, Morte e Ressurreição de Jesus, foi que homens de Fé consignaram por escrito tudo aquilo que viram, ouviram e experimentaram.
"O que vimos e ouvimos nós vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo".

Todos os trechos da Sagrada Escritura convergem para Cristo, do mesmo modo que as águas dos rios correm para o mar. Sem ter clareza sobre este aspecto não se pode fazer teologia, catequese, experiência de Fé.

O que importa no Livro Santo não é a letra mas, o espírito da letra, isto é, a manifestação do Verbo de Deus. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento vemos um desfilar de textos e exemplos que miram Jesus como protótipo do homem e único caminho para o Pai.

A verdadeira transformação da vida de uma pessoa e mecanismo de revolução da sociedade parte da experiência pessoal com Jesus Cristo que é a Palavra do Pai Encarnada.

Dito isto percebe-se que a Bíblia, não pode ser vista como catálogo de leis, livro antigo ou fundamento de religião. Ela é uma experiência de amor. A palavra fundamental para descrevê-la é veritas, que significa verdade, fidedignidade do amor de Deus para com Seu Povo. Deus é Fiel. Ele falou e cumpriu. Deus enviou Seu Filho. "Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele".

Quando, na leitura da Bíblia, Jesus Cristo é o centro da visão e o pólo de atração de tudo o que nela está consignado, a Palavra Santa recebe novo significado para nós. A visão se modifica. A letra perde o poder de ditar a minha conduta e permito ao Espírito de Cristo que me forme, a partir da letra, segundo o Seu caráter. E isso é o que há de mais importante na experiência cristã. Não irei seguir normas, leis, por causa de textos escritos mas, irei viver a Palavra por causa de Jesus e assim, todas as vezes em que minha vida contradisser a palavra eu mergulharei no oceano de misericórdia que é o Coração de Jesus e assim, terei a possibilidade de recomeçar.

A Bíblia lida sob a ótica de Cristo perde o significado de catalisador moral e passa a ser fonte perene da experiência do amor de Deus em Jesus Cristo, Palavra Encarnada do Pai. Isso significa, em outras palavras, que não terei o Livro Sagrado como manual de conduta cristã e sim, como ponte entre o eu real e o eu ideal. Eu não sou ainda o que Cristo é mas caminho para a perfeição de Cristo e a Bíblia não é um mapa e sim, um manancial onde posso beber nas fontes da Fé, rever minha postura em relação a Cristo e aos irmãos e re-orientar a caminhada sempre que for necessário. Dito desta maneira, percebe-se que a Palavra de Deus escrita não poderá ser apresentada como livro de leitura obrigatória mas, como expressão do amor de Deus que se comunica a nós por meio de palavras que podemos ouvir e compreender.

O Documento de Aparecida fala-nos de recomeçar a partir de Cristo. E esta expressão coaduna perfeitamente com o que aqui vai sendo dito. A Bíblia apresenta um maravilhoso mapa do Céu porém, somente aquele, cujo coração está em Cristo, conseguirá ler este mapa.

Dentre várias visões que podemos nutrir dos Escritos Divinos uma delas, a qual precisa ser combatida veementemente, é que conceitua a Bíblia como sendo meramente um livro. Na verdade, ela não é um livro somente e sim, a voz de Deus. No entanto, essa voz não está totalmente ordenada nos livros que compõem a Bíblia. Para escutar perfeitamente o que Deus transmite é necessário, como diz Emmir Nogueira, destrinchar o fio de ouro, isto é, a ponta em que Deus começa falar até a outra ponta onde a sua voz termina o grande discurso. Somente poderá fazer esse trabalho aquele que descobriu o caminho que conduz ao Coração de Jesus, os demais, lerão várias vezes a Bíblia, terão diversos objetivos ao fazer isso, e não conseguirão escutar a voz de Deus.

Para aprender a escutar a Deus na Bíblia precisa-se partir do Evangelho. O Evangelho nos desconcerta e, portanto, deve ser o fundamento de tudo. Quando todo o Evangelho estiver em nosso coração, todo o resto se fará. Era assim que as primeiras comunidades liam a Bíblia, a partir de Cristo; e foi com este espírito que escreveram o Novo Testamento.

Tudo tem que partir de Cristo e do Evangelho. Aqui está o programa de leitura da Bíblia e de escuta do Senhor mas, para isso, se faz necessária a oração. Somente através dela é que o Espírito Santo poderá nos transformar e nos configurar a Cristo para que, depois disso, nossa visão se amplie e possamos compreender o fundamento de cada trecho da Palavra de Deus. É um caminho de conversão. Quanto mais o meu coração estiver convertido, mais e mais, terei condições de interpretar autenticamente a Palavra de Deus e esta conversão exige uma nova mentalidade sobre Deus, sobre si mesmo e sobre os outros.

Evitar o fundamentalismo bíblico não pode ser reduzido à prática exegética pois, a base do fundamentalismo é a visão dicotômica sobre Deus, sobre si mesmo e sobre os irmãos. Isso gera preconceito, exclusão e julgamento e impedirá de ouvir sinceramente ao Senhor, mesmo que se leia toda a Bíblia várias vezes.

O programa de leitura ao qual me referi anteriormente não se restringe a uma técnica ou mesmo, a um índice de quais livros se devem ler primeiro ou depois. Este programa é o Coração de Jesus, Seu amor e Sua misericórdia. Lendo a Bíblia com os sentimentos de Cristo, sob o influxo do Espírito Santo, nossa leitura nos levará ao Céu e nos permitirá descobrir a plena vontade de Deus. O que vale, portanto, na leitura dos Escritos Sagrados, é a atitude de conversão; é a abertura do coração para perceber que a minha verdade não coincide, em muitos aspectos, com a verdade de Deus e do irmão.

A Bíblia não pode ser usada para punir, condenar, ferir ou aprisionar o outro. Ela é fonte de libertação e, somente a partir dessa visão é que se estará apto a descobrir o que Deus nos falou através dela.

Quando São Paulo fala que "toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça" ele tem em vista a ação do Espírito na vida do indivíduo que lê e ora com as Escrituras. A ninguém é permitido julgar e condenar, mesmo tendo nas mãos a Palavra de Deus.

Aqui vale uma pausa para reflexão: será que eu já li o Evangelho com atenção? Quais os pontos do Evangelho que mais evidencio? A minha interpretação do Evangelho é condizente com a palavra e com a prática de Jesus? Quais os pontos do Evangelho que eu negligencio?

Somente quando o Evangelho for aceito e assumido é que estarei condições de ler e explicar os demais livros sagrados. Sem essa experiência minha religião se tornará vazia, minha fé não será traduzida em obras, meu coração não terá o fogo do Espírito e minha oração perderá o sentido de ser. Mas se eu compreender aquilo que se passa no Coração de Jesus o amor será evidenciado, a oração será um fecundo diálogo, a fé me levará a transpor as montanhas e a minha vida ganhará um novo frescor, que somente o Espírito Santo de Deus é capaz de oferecer.



IV –O TESTEMUNHO DA PALAVRA ESCUTADA E VIVENCIADA



"Porque a palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração". A Carta aos Hebreus apresenta com brilhantismo a identidade da Palavra e sua capacidade na vida de todo aquele que a escuta com sinceridade e se dispõe a praticá-la.

Dentre aqueles que freqüentam alguma Igreja ou se aproxima de qualquer agrupamento religioso podemos identificar dois modelos diferentes.

O primeiro se refere àqueles que se aproximam de alguma religião à procura de preencher o vazio existencial, encontrar respostas para sérias questões da sua existência e mesmo obter paz de espírito. Essas pessoas são sinceras em sua busca, no entanto, aquilo que fazem não é o bastante para o crescimento espiritual.

O segundo grupo se refere àqueles que fizeram uma verdadeira experiência de Jesus Cristo, por meio da Palavra. Tais indivíduos conseguem viver uma nova vida, a sua conversão é sincera, a Palavra moldou-lhes a forma de viver. São inúmeros, os testemunhos de pessoas que tiveram suas vidas transformadas quando entraram em contato, através de Jesus Cristo, no Poder do Espírito, com a Palavra do Pai.

A Palavra de Deus pode mudar o rumo da vida de uma pessoa. A Palavra de Deus pode transformar uma comunidade. A Palavra aplicada no quotidiano dos indivíduos pode transformar uma sociedade inteira.

Se vivemos num país onde a maioria se diz cristã e se os cristãos conhecem Jesus e conhecem a Bíblia, porque será que ainda persistem problemas básicos provenientes do egoísmo, da falta de caridade? Onde está a força da Palavra na vida das pessoas?

São Paulo diz: "todo aquele que está em Cristo é uma nova criatura. Passou o que era velho; eis que tudo se fez novo!" Todo aquele que se aproxima de Jesus e escuta a Palavra que Ele fala, não consegue continuar do mesmo jeito. Se a nossa vida ainda não mudou, pode ser que ainda nos falte proximidade e escuta de Jesus Cristo, o Senhor.

Muito se fala em crise na RCC e até mesmo, na necessidade de unir as expressões carismáticas em torno do mesmo ideal. O tema deste retiro fala disso: unidos pela Tua Palavra, reconstruiremos as muralhas. Porém, é preciso perceber que essa unidade não significa uniformidade. A Palavra de Deus não vai fazer a mágica da unificação. É ilusão pensar numa RCC coesa, integrada, totalmente unida. Mesmo que o nosso Movimento seja ideal do Espírito Santo, mas a Graça do Espírito supõe a Natureza de cada indivíduo, que é livre, e nem sempre dá abertura a Deus para que Ele possa agir. A RCC não é ruim, seus membros é que são humanos e falhos. Isso é natural. No entanto, o dado novo que o Espírito Santo nos traz afirma que a missão da RCC se fará cumprir em meio às tormentas e perseguições, à medida em que cada um de nós começar a viver o Evangelho que é Cristo.

Ler o Evangelho é entrar em contato com Cristo e se tornar discípulo e missionário. É como se estivéssemos lá, naquele tempo, quando Jesus estava pregando e agindo entre nós.

Cristo, no entanto, permanece conosco. E uma das formas de permanência do Senhor é a Sua Palavra dada, pregada, vivida no meio de nós. Hoje, por meio do Evangelho, posso novamente estar sentado aos pés do Senhor, conhecer Seu coração, ouvir seus ensinamentos, aprender com suas ações e assim, cheio do Seu Espírito, seguir em missão. Cristo está do nosso lado no dia de hoje, e a Sua Palavra é o meio mais seguro – embora, não único - de escutar a Sua voz. Para isso, é preciso escutar o Evangelho. Estudos, cursos, leituras fragmentadas da Bíblia... tudo isso é válido, no entanto, não podem substituir a meditação ordenada e completa dos Evangelhos, o que deve ser feito todos os dias.

Tal qual o discípulo que aprende do mestre, precisamos escutar Jesus e aprender Dele. "Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas".

A Palavra de Deus tem o poder de convencer, curar e libertar. Mas, para que isso aconteça, ela precisa partir de um coração verdadeiramente comprometido com o Senhor. Somente uma pessoa que experimentou a Palavra poderá proclamá-la com poder e autoridade. Se não houver sinceridade na busca de Deus ou clareza no anúncio, fazemos com que a Palavra do Senhor seja envergonhada, e os homens ímpios zombem dela.

Toda vez que a Bíblia é proclamada, ela traz o Poder de Deus e Jesus começa a agir. Para isso, repito, aquele que proclama precisa estar em comunhão com Deus, por meio da mesma Palavra. Caso contrário, o Poder do Senhor não irá se manifestar. O homem tem o direito de ver a Palavra de Deus em ação para que se converta e viva, para isso, a Palavra precisa transformar a minha vida, se eu quiser proclamá-la. A maior pregação é o meu testemunho pessoal. Se o homem vê que outro homem consegue viver o Evangelho, ele se sentirá incomodado e se aproximará de Deus. Mas, o que é mesmo viver o Evangelho?

A vivência do Evangelho implica em muitas coisas e a principal delas é a busca da santidade pessoal aliada à misericórdia e conseqüente aproximação do pecador.

Estou convencido de que a RCC foi chamada a ser, na Igreja e no mundo, rosto e memória de Pentecostes, na vivência do acolhimento. Desde os primórdios do Movimento, o tema da acolhida sempre foi forte entre nós. É só assistir ao filme Entre a Cruz e o Punhal ou ler o livro, o mesmo que foi lido pelos pioneiros do Movimento, para perceber como esse tema é basilar.

Este é o combate profético: da escuta da Palavra, saio para evangelizar os pobres, assumindo suas misérias e maldições, assim, como o fez Nosso Senhor. E a Igreja, no Documento de Aparecida, chama isso de Missão Continental.

Se a RCC se clericaliza e se institucionaliza, ela perde a força profética na Igreja. É preciso acontecer um movimento exógeno, para fora. E nesse sair, assumir a missão, vale a pena refletir novamente sobre duas questões cruciais: o que é santidade? O que é evangelização? Da resposta a estas duas perguntas pode surgir um movimento autêntico do Espírito na Igreja ou uma cilada do Diabo para impedir que os Filhos de Deus vivam em plenitude a força do Evangelho.

Hoje, percebe-se na Igreja dois movimentos. O primeiro é empreendido pelos grupos tradicionalistas, chamados de resistência tradicional. Essas idéias são sutis, parecem cheias do Espírito, mas vão minando o Movimento, uma vez que nascem da contestação e transformam o Evangelho em meras práticas devocionais.

O segundo movimento é o da combatividade profética. É uma evangelização feita com poder, na força do Espírito e dirigida para o amor e a acolhida. Nesse movimento, têm-se a compreensão de que a Caridade evidenciada, é a base de tudo. A Caridade é a maior oração por cura e libertação. Ela precisa ser vivida na Paróquia, no Grupo de Oração, na Família, no Trabalho. É aqui que a Palavra começa a frutificar.

Em qual desses dois movimentos seu Grupo de Oração se enquadra?



V – O ESPÍRITO SANTO AGE NO SENTIDO DE NOS CONFIGURAR A CRISTO - PALAVRA



São Paulo é enfático ao afirmar: "Por isso, eu vos declaro: ninguém, falando sob a ação divina, pode dizer: Jesus seja maldito e ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, senão sob a ação do Espírito Santo". Somente pelo Espírito Santo, a Palavra pode frutificar na vida do homem cristão.

A Graça cresce à medida da abertura. Os hábitos novos, esclarecidos pelo Evangelho, precisam ser instalados na Natureza do Homem e isso é ação do Espírito Santo.

Somente o Espírito Santo nos ensina:

  1. Escutar a Palavra e compreendê-la
    à "Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito".
  2. Confrontar nossa vida com a Palavra e nos converter-mos à
    "E, quando ele vier, convencerá o mundo a respeito do pecado, da justiça e do juízo".
  3. Viver a Palavra e anunciá-la com Testemunho
    à "A minha palavra e a minha pregação longe estavam da eloqüência persuasiva da sabedoria; eram, antes, uma demonstração do Espírito e do poder divino."


Que o Cristo nos ensine a escutar a Sua Palavra e aplicá-la em nossas vidas!

Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

sábado, 9 de janeiro de 2010

MARIA, MODELO DE COMUNHÃO


 

I – ENTENDENDO O CONCEITO DE COMUNHÃO


 

Alguns textos bíblicos podem nos ajudar a perceber o que se entende por comunhão.


 

A – NO ANTIGO TESTAMENTO

  1. A regra máxima para o judeu era preconizada no Mandamento de Amar a Deus sobre todas as coisas - "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças". (Dt 6,5)
  2. E ao próximo como a si mesmo - "Não te vingarás; não guardarás rancor contra os filhos de teu povo. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor". (Lv 19,18)
  3. No Salmo 132 nós encontramos um hino magnífico a respeito da unidade entre os irmãos :

    "1. Cântico das peregrinações. Oh, como é bom, como é agradável para irmãos unidos viverem juntos.

    2. É como um óleo suave derramado sobre a fronte, e que desce para a barba, a barba de Aarão, para correr em seguida até a orla de seu manto.

    3. É como o orvalho do Hermon, que desce pela colina de Sião; pois ali derrama o Senhor a vida e uma bênção eterna".

    (Sl 132)

B – NO EVANGELHO

  1. A Comunhão com Deus é o alicerce de toda Obra à
    "Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer". (Jo 15,5)
  2. Jesus nos chama de amigos, porque nos demonstrou a vontade de Deus que é o princípio de comunhão à "Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai". (Jo 15,15)
  3. Só pode ser amigo de Jesus quem obedece os mandamentos do Pai à "Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é que me ama. E aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e manifestar-me-ei a ele". (Jo 14,21)
  4. A comunhão com Deus gera a unidade entre os irmãos à

    7. Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo o que ama é nascido de Deus e conhece a Deus.

    8. Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor.

    9. Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: em nos ter enviado ao mundo o seu Filho único, para que vivamos por ele.

    10. Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos ele amado, e enviado o seu Filho para expiar os nossos pecados.

    11. Caríssimos, se Deus assim nos amou, também nós nos devemos amar uns aos outros.

    12. Ninguém jamais viu a Deus. Se nos amarmos mutuamente, Deus permanece em nós e o seu amor em nós é perfeito.

    13. Nisto é que conhecemos que estamos nele e ele em nós, por ele nos ter dado o seu Espírito.

    14. E nós vimos e testemunhamos que o Pai enviou seu Filho como Salvador do mundo.

    15. Todo aquele que proclama que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece nele e ele em Deus.

    16. Nós conhecemos e cremos no amor que Deus tem para conosco. Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele.

    17. Nisto é perfeito em nós o amor: que tenhamos confiança no dia do julgamento, pois, como ele é, assim também nós o somos neste mundo.

    18. No amor não há temor. Antes, o perfeito amor lança fora o temor, porque o temor envolve castigo, e quem teme não é perfeito no amor.

    19. Mas amamos, porque Deus nos amou primeiro.

    20. Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê.

    21. Temos de Deus este mandamento: o que amar a Deus, ame também a seu irmão.

    I JOÃO 4

  5. Da comunhão entre os irmãos surge a presença de Deus à
    "Porque onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles". (Mt 18,20)
  6. Jesus dá um novo mandamento à "Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros". (Jo 13,34)

C – SANTÍSSIMA TRINDADE, A MELHOR COMUNIDADE (Jean Vanier)

"Eu e o Pai somos um". (Jo 10,30)

"Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste". (Jo 17,21)


 

II – A VIVÊNCIA DA COMUNHÃO NA VIDA DA VIRGEM MARIA

  1. O SIM de Maria preconiza a atitude obediente da alma que está unida ao Senhor. "Então disse Maria: Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra. E o anjo afastou-se dela". (Lc 1,38)
  2. Em Caná da Galiléia Maria sinaliza Sua íntima comunhão com Jesus ao apressar a Hora do Milagre. "Disse, então, sua mãe aos serventes: Fazei o que ele vos disser". (Jo 2,5)
  3. Jesus elogia Maria que cumpriu a vontade de Deus, protótipo da alma que comunga com os Projetos do Senhor. "Ele lhes disse: Minha mãe e meus irmãos são estes, que ouvem a palavra de Deus e a observam". (Lc 8,21) "Enquanto ele assim falava, uma mulher levantou a voz do meio do povo e lhe disse: Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos que te amamentaram! Mas Jesus replicou: Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra de Deus e a observam!" (Lc 11,27-28)
  4. A atitude de comunhão com Deus leva Maria a estar de pé diante do sofrimento do Seu Filho. "Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena". (Jo 19,25)
  5. No Cenáculo Maria está presente na COMUNIDADE orando e vivendo a unidade à "Todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele". (At 1,14)


 


 

III – CONCLUSÕES PRÁTICAS


 

  1. Comunhão com Deus é fundamental para a edificação da Igreja
  2. A Comunhão com Deus gera o amor fundamental entre os irmãos.
  3. As atitudes que ferem a comunhão são anti-evangélicas e sinal de ausência do Espírito Santo. Cf. Gal. 5,15

    Sem o Espírito Santo, Deus se afasta,

    Cristo fica no passado,

    o Evangelho é letra morta,

    a igreja é mera instituição,

    a autoridade é questão de prepotência,

    a missão, questão de propaganda,

    a liturgia nada mais que uma evocação,

    o modo de viver cristão, virtude de escravos.

    Mas no Espírito Santo:

    o cosmo se reanima e geme com

    as dores de nascimento do reino,

    o Cristo ali está,

    o Evangelho é o poder da vida,

    a Igreja manifesta a vida da Trindade,

    a autoridade é um serviço de libertação,

    a missão é um Pentecostes,

    a liturgia é momento comemorativo e também

    antecipação,

    a ação humana é divinizada.